Euskalduna Studio (Porto)

O trabalho que Vasco Coelho Santos e a sua equipa estão a fazer no Euskalduna Studio, na zona de Santo Ildefonso, no Porto, é algo que toda a gente que gosta de dar ao dente deveria fazer um esforço por conhecer. Não temos, com esta qualidade e genialidade, assim tantos projectos em Portugal. Não é de uma refeição que se trata, é de toda uma experiência, que ao longo de quase três horas nos deixa totalmente rendidos.

O balcão que se tornou famoso.
Edgar Alendouro, o escanção de serviço, é dos primeiros a entrar em acção. Avalia-nos o gosto e apresenta os três menus de vinhos disponíveis. Será uma presença constante ao longo da refeição, sempre atento ao nivel e temperaturas dos vinhos. Um serviço impecável. A primeira sugestão, para dar início à refeição, foi o espumante Hehn de 2006, um velha reserva bruto com longo estágio e alguma evolução, que casou na perfeição com os primeiros pratos a chegarem à mesa.
Batata e Cantarelos. Um ninho de batata que no aspecto nos faz lembrar a massa cabelo de anjo, com uma pasta de cogumelos e uma folha de capuchinha por cima. Para comer de uma dentada e deixar água na boca.
Sobriedade, elegância e bom gosto. Uma constante no Euskalduna.
Raiz de cerefólio, holandês e pickles. Apostas arriscadas (e bem sucedidas) são o nome do meio do Euskalduna.
Lula, funcho e presunto. Com umas pétalas de amor-perfeito a dar brilho, numa combinação com tanto de inesperado como de bom.
Gamba, manga e caril, um dos pratos emblemáticos da casa que, segundo Vasco, é o único que perdura desde a abertura do restaurante. As gambas cruas têm a companhia da manga e de um molho feito com cabeças de carabineiro, que depois são cobertas por um granizado de caril, de sabor forte, que acaba por dominar o prato. Não será uma combinação consensual, mas para quem gosta de caril é daqueles que primeiro estranha-se e depois entranha-se. Vem acompanhado por um copo de infusão de curcuma, morna, que ficou lindamente com os paladares afirmativos do prato.
Que bem que ligou com o…
…atum com kimchi, um prato especial, extra menu, improvisado no dia a partir de uma boa peça de atum que chegou à cozinha do Euskalduna. O atum era uma delícia, cozinhado na muche, como se pode ver pela foto. Acompanhou com o kimchi, que tem uma fermentação de setenta dias e é feito pelos próprios no restaurante. A complementar, medronho, rabanete e avelã torrada ralada. Muito bom.
Vasco Coelho Santos optou por um conceito onde não há equipa de sala, são os próprios cozinheiros que após a confecção levam os pratos à mesa (ou ao balcão) e os apresentam.
Tainha, escabeche e salsa. O peixe é de mar, adornado com pickles de cebola roxa, pó de salsa e jus de vitela. Por esta altura entrou em acção o Kompassus Reserva Branco 2015, a proporcionar mais estrutura e um delicioso toque fumado para as combinações seguintes.
Comer ao balcão do Euskalduna, além da interacção com os cozinheiros, impressiona a forma metódica, tranquila e precisa, como os pratos vão sendo desenhados à nossa frente. Sem gritos, nem movimentos bruscos, ao contrário do que nos habituamos a ver nas cozinhas de chefs famosos nos programas de televisão.
Boletus e feijoada de cogumelos. Preparada com feijão catarino e adornada com umas laminas de toucinho. Um prato de sabores mais confortáveis, com um molho de bradar aos céus. Maravilha.
Peixe galo e açorda de ovas. Uma homenagem à doca de Matosinhos. O peixe é preparado com um polme e a açorda mistura-se num delicioso caldo com travo a coentros e limão, uma maravilha. Um dos favoritos.
Caldeirada. Outro prato fantástico. Com mexilhão, corvina, figado de tamboril (?), batata crua em finas fatias e pimentos. Os sabores confortáveis da tradicional caldeirada numa apresentação moderna e muito bonita. Uma delícia. Muito bom.
Cavaca de Resende com salada e granizado de citrinos. O tradicional doce regional em perfeita harmonia com os sabores frescos dos citrinos. Leve, refrescante, muito bom, a mostrar que não é necessário demasiado açucar para fazer uma grande sobremesa.
Rabanada e queijo da serra. Já vinhamos avisados que não havia outro desfecho possível para um jantar no Euskalduna. Um pecador cubo de pão caramelizado à nossa frente e adornado pelo gelado de queijo da serra. Um final apoteótico.

Quando chegamos a um restaurante com as expectativas ao alto e ainda assim somos surpreendidos ao ponto de termos vontade de regressar no dia seguinte, penso que é o melhor elogio que se pode fazer a uma refeição.

O jovem chef portuense Vasco Coelho Santos, após a sua passagem por diversos restaurantes pelo mundo, onde se incluem os famosos Mugaritz e Arzak no país basco, abriu ao público em finais de 2017 o seu restaurante em nome próprio. Localizado na zona de Santo Ildefonso, não muito longe do centro, o Euskalduna Studio trouxe uma lufada de ar fresco às propostas gastronómicas da cidade e, arrisco-me a dizer, de todo o país.

A genialidade do lugar começa logo no nome. Euskalduna em basco quer dizer, eu sou basco e Vasco Coelho Santos brinca brilhantemente com a pronuncia tripeira de trocar os vês pelos bês (Basco – Vasco). Depois continua pelo prático e profissional sistema de reservas, o lugar onde começam verdadeiramente experiências deste nível (quantas vezes já vamos mal impressionados pela forma como decorreu a reserva). Segue pela elegância e sobriedade do espaço, sito no 404 da Rua de Santo Ildefonso, bonito, sofisticado, despojado mas tão confortável. Para terminar com um serviço e cozinha irrepreensiveis, dificeis de esquecer. Tudo é impecavelmente preparado para nos proporcionar o melhor, onde nem o mais pequeno detalhe é deixado ao acaso.

Estamos definitivamente perante uma das cozinhas mais excitantes da actualidade. Tenho aprendido por experiência própria que nestas coisas não dá para deixar para depois, tal a volatilidade deste tipo de projectos em Portugal. E depois ainda há as estrelas, que podem chegar a qualquer momento e mudar tudo. É aproveitar enquanto é tempo e ir o mais rápido possível.

Faltou na sequência fotográfica o momento 9 do jantar, o prato de carne. Porco, jus e pão. Uma pequena peça de porco maravilhosamente cozinhada e um jus para molhar o pão de babar. Aqui entrou em cena o único tinto do menu de vinhos, o Porta dos Cavaleiros 1986 (!), que casou brilhantemente com o prato.

 

Rua de Santo Ildefonso 404, Porto
Tel: 935 335 301
Email: [email protected]
Aberto apenas para jantares, de quarta a sábado.
Menu degustação, 80€

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