Sempre que oiço falar em crise na restauração, que por estes dias é a toda a hora, lembro-me de lugares como este que hoje trago e o que será da tradição do nosso receituário regional no dia em que os mesmos fecharem portas por falta de clientes.
Será uma perda terrível para a nossa cultura gastronómica, que já não é muita, e para a transmissão de determinados saberes e sabores a gerações futuras. Saberes esses que não chegam às grandes cidades, ou pelo menos não chegam com a carga “histórica” como em lugares como este.
Fazer uma refeição na Taverna dos Conjurados é voltar atrás no tempo, é ter a possibilidade de provar uma cozinha de tradições, interpretada de forma exímia, que nos deixa de cara à banda se não estamos preparados ao que vamos, como foi o caso.
Como boa casa Alentejana, tudo começa com pão e azeitonas. E se não tivéssemos passado daqui, já íamos contentes. Que na companhia dos bons vinhos da região, picar estas britadas temperadas com azeite e alho e este pão já são motivos mais que suficientes para um grande momento à mesa.
Em jeito de entrada, chega à mesa um Paté de Veado salpicado com Molho de Frutos Silvestres. Um clássico desta região alentejana, tudo caseiro, um guloso início.
De seguida veio a Sopa de Tomate. Já me tinham alertado para que não ousasse vir a este espaço sem provar as sopas e bem mandado que sou, foi o que fiz. E não podia ter feito melhor. Perfeita na simplicidade, na frescura do produto, com os enchidos à parte como manda a tradição da região, tudo sem uma pedra de sal a mais nem a menos, o raminho de oregãos dava a estocada final a uma das melhores sopas de tomate que me recordo. Um autentico festim.
Recompostos do orgásmico momento anterior enfrentávamos agora corajosamente o Lombinho de Porco Alentejano com Migas de Espargos Verdes. Novamente uma ode à excelência dos produtos locais. Porco alentejano autêntico, de produção local, só alimentado a bolota, algo que a crise económica que nos assola vai tornando cada vez mais difícil de encontrar, mas que no prato, obviamente, deixa a sua marca. Carne que se funde na boca e um sabor maravilhoso. As migas não se limitam a ser o parente pobre desta história e chegam sólidas mas macias, com os espargos tenros e al dente, de novo um grande momento. Impressionou-me deveras a precisão do sal nestas confecções, nem uma pitada a mais.
Nesta altura estávamos perfeitamente saciados, mas não queríamos incorrer no pecado de sair daqui, paredes meias com o Convento Real das Chagas de Cristo, sem provar os afamados doces conventuais. E como pecar é algo que não somos capazes chegaram à mesa um Conventual de Ovos e Requeijão e outro de Ovos e Côco, este com pão de trigo e umas gotas de limão. Ambos de ir às lágrimas. Uma obscenidade.
Apesar de recente, estamos definitivamente num bastião da cozinha tradicional alentejana. Manuel Camarinhas fundou em 2005 esta Taverna, a partir de uma cavalariça que após intervenção constitui uma sala ampla, cómoda, com as abóbadas no tecto e as paredes de granito a trazerem um ar clássico ao espaço. Só as cadeiras é que destoam.
O serviço é familiar e atencioso, com Manuel a fazer as honras e a enquadrar-nos na filosofia que rege esta cozinha. A divulgação do histórico receituário regional, bem como o respeito pelos produtos locais são princípios que não abdica e com eles ganhou o respeito gastronómico da região. O que vos deixo aqui hoje é apenas uma pequena amostra da oferta disponível, escolher desta lista é um quebra-cabeças.
Apesar da carta de vinhos ser curta e se cingir a referências regionais do eixo Estremoz/Borba/Reguengos, existem referências muito interessantes capazes de nos deixar na indecisão. A delicadeza com que se manuseia copos, garrafas e afins é a prova de como o vinho é querido nesta casa. Há vinho a copo e a jarro de 0,375 (saído da garrafa que nos é apresentada), decantado quando é necessário e a preço justo. Bebeu-se o exemplar da foto, que apesar do cansaço da idade, depois de arejado, deu boa conta de si no acompanhamento de tão nobres iguarias.
Entra directamente para a lista das grandes referências gastronómicas do Alto Alentejo esta Taverna dos Conjurados. Serve também de exemplo maior de que, nos dias que correm, não é necessário magoar a carteira para se fazer uma grande refeição. Grande com letra bem grande.
Taverna dos Conjurados
Largo 25 de Abril, 12, Vila Viçosa
Tel: 268 989 530
Aberto todos os dias no Verão. No Inverno, só sextas ao jantar, sábados e domingos ao almoço, os restantes dias só com marcação.
Preço médio: 17,50€, sem vinho.