Uma garrafa de vinho tem a fascinante capacidade de nos fazer viajar. Transportar-nos para lugares, histórias, momentos, pessoas, episódios da nossa vida que vamos recordar sempre que voltarmos a esse vinho. Por exemplo, esta garrafa de Primeiro Nome fez-me regressar ao Mosel e a uma viagem que fiz a esta fantástica região da Alemanha. Diria que é a única bebida que tem este condão e também por isso é tão especial e singular.
Mas o que é que o Primeiro Nome tem a ver com o Mosel? É que foi no Mosel, mais precisamente em Bernkastel-Kues, numa visita à histórica S. A. Prum, que conheci o produtor deste branco alentejano. Talvez algumas pessoas não saibam mas o Miguel Louro (filho de outro Miguel Louro, este já um consagrado nestas lides), além do seu projecto pessoal Miguel Louro Wines também é enólogo desta famosa casa do Mosel. Nessa ocasião (outra publicação em falta!) tive a oportunidade de ficar a conhecer o trabalho que este jovem enólogo está a fazer na região e recordo em jeito de agradecimento a verdadeira masterclass que nos proporcionou naquela tarde sobre a riesling, a casta rainha do Mosel. Foi também neste momento que abordámos levemente o seu projecto pessoal em Estremoz, que desde logo fiquei curioso de conhecer.
O ano passado, durante a edição do Simplesmente Vinho no Porto, voltei a cruzar-me com o Miguel Louro e desta vez já na companhia dos seus vinhos. Apelido, Primeiro Nome e Alcunha, são as três referências que para já perfazem o portefólio. O Apelido como entrada de gama (na casa dos 10€), o Primeiro Nome como segundo vinho (na casa dos 20€) e o Alcunha no topo da pirâmide (na casa dos 30€). Todos na versão branco e tinto e todos produzidos em Estremoz, na casa de família chamada Quinta do Mouro.
Mas a verdade é que só agora se proporcionou beber e apreciar um dos seus vinhos com a tranquilidade que qualquer vinho merece. O Primeiro Nome Branco da colheita de 2017 é um lote de Arinto, Gouveio e Verdelho, uma combinação de castas não muito habitual. Teve uma curta maceração pelicular e fermentou e estagiou durante oito meses em barricas de carvalho. Carregado na cor, com um leve toque de oxidação que lhe dá muita personalidade, mostra a presença da barrica (apesar de não ser exagerada) que envolve a fruta branca madura, alguns citrinos e uma calorosa nota de mel. Tudo sério, mais pela contenção que pelo espalhafato aromático. A boca é excelente. Elegante mas com presença, delicada, com uma acidez vibrante a conferir muita alegria ao vinho. Final fresco e saboroso, a pedir mais um copo, que os 12,5º de álcool permitem sem remorsos.
É um vinho que, antes de mais, nos mostra as muitas capacidades do Alentejo para fazer bons brancos, assim se pretenda e se tenha a coragem de fugir do caminho mais fácil. E já que falo da região como um todo aproveito para reconhecer que depois de um largo período de afastamento cada vez me aproximo mais dos seus vinhos, atraído por um naipe de muitos e interessantes projectos que se vão fazendo por estes dias em terras alentejanas. Este, de Miguel Louro, mostra originalidade, personalidade e alguma irreverência (genes de família?) e é o maior contributo que um projecto destas características pode dar ao Alentejo actual.