Não consigo deixar este vinho perdido no meio de uma publicação que estou a escrever sobre a visita à Adega José de Sousa, em Reguengos de Monsaraz, no âmbito do encontro anual de bloggers que a José Maria da Fonseca (JMF) promoveu recentemente. Não seria justo. Para o vinho e para quem visita este pasquim.
Para quem não sabe estamos perante um dos vinhos mais marcantes da história do vinho em Portugal e do Alentejo em particular. Um vinho mítico, por todo o seu percurso até aos dias de hoje e todas as histórias que encerra. A Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes era uma propriedade histórica do Alentejo, onde José de Sousa, famoso agricultor alentejano da época, produzia os famosos Tinto Velho, um vinho alentejano que granjeou reconhecimento aquém e além fronteiras.
Quando em 1986 a José Maria da Fonseca concretiza, com a compra desta propriedade, o sonho de produzir vinho no Alentejo, tinha nos seus planos recriar o mais fielmente possível este vinho e dar-lhe assim a merecida continuidade. Mas qual o espanto quando tomaram posse da propriedade e não encontraram uma única garrafa de Tinto Velho, nem qualquer outro registo que lhes pudesse dar uma pista do perfil do mesmo.
O desalento tornou-se em esperança quando António Soares Franco, numa viagem a Londres, encontrou numa leiloeira da cidade 12 garrafas do Tinto Velho da colheita de 1940. Juntando essa peça à vinha velha existente já conseguiam ter um ponto de partida na produção do vinho. Mas o grande golpe de sorte aconteceu quando tiveram conhecimento de uma pilha de garrafas que tinham ido para queimar e ficaram esquecidas sob um monte de carvão. Eram cerca de mil garrafas do mesmo vinho de 1940, que mantinham as suas características intactas, pelo acaso de ali terem encontrado inesperadas condições de guarda. O vinho estava perfeito, parece que não tinha evoluído, e foi assim que se encontraram as referências para produzir hoje o José de Sousa Mayor, o vinho que tomou o lugar do José de Sousa Garrafeira.
Terão sido provavelmente duas dessas garrafas que agora vieram parar à nossa mesa no recente almoço da visita à Adega José de Sousa. Beber um Tinto Velho da Casa Agrícola Rosado Fernandes já por si é um momento especial, ter a oportunidade de beber a colheita de 1940 é um momento único que perdurará para sempre na minha memória.
Não me quero alongar sobre propriedades organolépticas ou descritores, apenas dizer que o vinho, 74 (setenta e quatro) anos depois, está com uma saúde surpreendente. Um turbilhão de emoções. Não será um vinho eterno mas ficará para sempre num lugar bem alto da história do vinho em Portugal.