A envolvência rural da pequena aldeia minhota de Portela parece contrastar com a sofisticação da experiência que estamos prestes a viver, mas na realidade, tudo não passa de um complemento. O cheiro da natureza, que se mistura com o fumo das lareiras, as vozes e os costumes dos seus habitantes e o contexto agrícola onde se insere, não são mais do que uma introdução para o que se segue. É como se o Ferrugem não fizesse sentido noutro terroir.
Cruzar a porta do Ferrugem é entrar numa realidade paralela daquela aldeia minhota, em que tudo faz sentido, numa simbiose perfeita entre a ruralidade de uma e a modernidade de outra. O chão de calçada portuguesa e as paredes de pedra envolvem um mundo quase encantado, qual toca de coelho, onde a alma de ser minhoto (e português) é elevada como em nenhum outro restaurante que conheço. Em vez da Alice, do Chapeleiro Louco ou do Coelho Branco, temos outros protagonistas, também eles dignos do nosso imaginário. O Pão de Ameixa com Bacon, a Manteiga de Azeite, o Caldo Verde, o Chupa-chupa de Polvo, o Carpaccio de Bacalhau, a Mousse de Abade Priscos, que apesar dos nomes quase poéticos são personagens bem reais, que nos chegam no prato e nos mostram de forma frontal e convincente que é possível fazer uma cozinha moderna e sofisticada a partir das raízes tradicionais.
O caminho pelo Foie Gras ou pelas Vieiras, nesta era da cozinha-espectáculo, teria sido certamente mais fácil, mas Renato Cunha e Dalila Carmo sempre preferiram ser fieis à sua identidade e fazer o que facilmente poderia ser chamada de moderna cozinha regional portuguesa.
Um menu-degustação bem desenhado, sem oscilações nem tempos mortos, que mantém alguns pratos clássicos bem conjugados com outros mais recentes. Ênfase para os produtos da época e a forma como são tratados, com uma técnica e precisão que serão talvez os factores mais diferenciadores desde a ultima visita. Não há muito mais a acrescentar a uma refeição sem falhas, onde tudo esteve impecavelmente preparado e onde o sabor teve sempre a palavra final.
Também o serviço de sala e de vinhos esteve à altura da cozinha. Muita eficiência na sala, acima de tudo a transmitir tranquilidade e um domínio total sobre o serviço. Nos vinhos houve uma grande evolução na carta, agora muito mais completa, com mais e melhores referencias. A refeição foi acompanhada pelo menu de vinhos desenhado para o efeito. Primeiro o Espumante Soalheiro Rosé. Depois o Royal Palmeira Loureiro 2009, que com as suas notas fumadas e de evolução encaixou muito bem na caldeirada. De seguida o tinto Colinas Reserva 2009 da Bairrada e para terminar, em beleza, o Porto Branco Andresen 20 Anos. Serviço, copos e temperaturas impecáveis. Nem um preciosismo a apontar.
No final saímos felizes. O nível praticado é muito alto e apesar desta não ser a praia preferida para os inspectores do Guia Michelin se banharem, com muitos produtos que se calhar não lhes falam à alma tanto como a nós (a saber, não há nenhum inspector português), não me parece exagerado admitir que com uma consistência destas esse reconhecimento possa surgir. Pelo menos a qualidade não fica nada abaixo de outros congéneres estrelados. Resta, agora que caminha rapidamente para a primeira década de vida, redobrar os parabéns ao casal Renato e Dalila pelo talento, coragem e sucesso com que têm norteado este Ferrugem. Notável.
Ferrugem
Rua das Pedrinhas, 2, Portela, Vila Nova de Famalicão
Tel: 252 911 700
Email: [email protected]
Fecha Domingos ao jantar e às Segundas
Preço médio sem vinho, 50€.