Passo os olhos pelos meus apontamentos e pelas milhentas fotografias que se acumulam no disco do meu computador e chego à conclusão que nunca vou conseguir contar todas as histórias que estes encerram. Talvez um dia que me reforme, se este bichinho ainda perdurar, muitas delas vejam a luz do dia. Até lá é desfrutar. É pôr de parte a ideia que vou conseguir diminuir a lista de rascunhos e aproveitar ao máximo o gozo que me vai dando pegar em algumas destas notas soltas e recuperá-las para uma publicação. A de hoje passa-se num dos locais mais bonitos que já tive oportunidade de visitar, o Vale do Loire.
Vou abreviar ao máximo a parte do Loire enquanto região produtora de vinho. Uma região com 75.000 hectares, que se dividem em mais de 80 sub-regiões e que atravessa França do Este ao Oeste, ocupava toda esta publicação e ainda assim não chegava. Por isso, para já, vou apenas acrescentar um dado que me parece dos mais importantes. Em todo este vasto território apenas são utilizadas meia dúzia de castas, Chenin Blanc, Sauvignon Blanc e Melon de Bourgogne nas brancas e Cabernet Franc nas tintas. Depois podemos encontrar outras, pontualmente, como por exemplo a rara Pineau d’Aunis em que tropecei na sub-região de Coteaux du Vendômois, mas a quase totalidade da produção centra-se naquelas primeiras quatro.
Bom, mas para hoje interessa apenas Chinon, a cidade medieval rodeada de vinhas que é atravessada pelo rio Vienne, um afluente do Loire. Se além do vinho também gostam de história então este lugar é mesmo imperdível, pois foi no Castelo de Chinon que Joana d’Arc recebeu das mãos do Rei (Carlos VII – Delfim de França) o seu exército, com o qual libertaria a cidade de Orleães e tornar-se-ia a maior heroína da história de França.
Voltemos ao vinho. Produzidos exclusivamente com Cabernet Franc (em alguns casos pode levar até 10% de Cabernet Sauvignon) os tintos de Chinon ainda são um bom segredo para alguns. Muito focados no terroir, com o seu chão de calcário, são vinhos que por vezes surgem bastante rijos em novos, o que os tem afastado de determinados mercados mais gulosos e por conseguinte acessíveis aos comuns dos mortais.
Hoje em dia quase não é necessário planear uma viagem ao ponto de definirmos de antemão quais os lugares de visita obrigatória no nosso destino, basta dar conta nas redes sociais que vamos e de imediato chovem uma quantidade de dicas e sugestões. Foi assim que descobri Bernard Baudry.
Baudry é das maiores figuras dos vinhos de Chinon, um vigneron na total acepção da palavra, que nas suas vinhas em Cravant-le-Coteaux, uma aldeia onde se produz metade dos vinhos da apelação de Chinon, produz os seus vinhos por método biológico. Durante esta viagem (Junho de 2014), em qualquer lugar onde entrava, tentavam vender-me os vinhos naturais, bológicos, bio-dinamicos, etc. Fiquei com a sensação que era uma tendência que o marketing se estava a encarregar de fazer chegar aos pontos de venda, fossem garrafeiras ou restaurantes. Mas depois de ter tido o prazer de conhecer Bernard Baudry e o seu filho Matthieu e ter provado os seus vinhos, percebi que não há outra forma de os vender. Esse é o seu adn e é por aí que se diferenciam dos demais.
Baudry possui actualmente 25 hectares de vinha que estão dispostas numa grande diversidade de solos e são esses diferentes terroirs que definem o estilo dos seus vinhos. A Cabernet Franc em cascalho, argila, areia, ou calcário e estagiada, sempre, em barricas usadas, dá origem a vinhos diferentes, mas todos de grande autenticidade, com taninos vivos, muitos deles rijos e difíceis enquanto novos, que só se vão mostrar na plenitude daqui a alguns anos. A mineralidade e as notas vegetais são duas características transversais a estes vinhos, mas sempre num registo de elegância, com corpos leves e finais persistentes. Definitivamente das melhores relações preço-qualidade que conheço em vinhos franceses.
Ouvir os Baudry a falar dos seus vinhos é um prazer que não tem preço. O respeito que colocam na sua produção, sempre com o objectivo de intervir o mínimo possível na adega e de manter a autenticidade de uma região através de uma agricultura sustentável e sem recurso a produtos químicos, faz-nos entender melhor o que depois nos surge na garrafa. Foram várias horas de conversa, numa sala de aspecto rústico, onde o nosso olhar acabava invariavelmente no expositor com os vários tipos de solo de cada vinha. O assunto andou sempre, como não podia deixar de ser, à volta do vinho. Falou-se de terroir e de princípios de produção e vinificação, como aquele de “nunca arriscar uma colheita numa barrica de madeira nova”. Ainda houve tempo para viajar até Portugal, para falar dos Goliardos (que distribuem os seus vinhos em Portugal) e daquela vez que estiveram para vir ao Festival Vinho ao Vivo. Disseram-me que viriam um dia, mas para mal dos nossos pecados ainda não foi este ano.
Bernard Baudry
Coteau de Sonnay 9
37500 Cravant-les-Coteaux
Tel: +33 024 793 1579