Mais um conjunto de vinhos bebidos nestes últimos dias. Desta vez, por mero acaso, ou porque o apetite assim quis, andei por vinhos mais velhos. Vinhos que a larga fatia de consumidores despreza, mas que fazem as delícias dos apreciadores. Tive boas e más surpresas, mas também é aí que reside o encanto de abrir um vinho velho, nunca sabemos o que esperar.
Mas antes dos vinhos velhos, um vinho bem jovem que João Portugal Ramos produz na região dos Vinhos Verdes. Há quem lhe chame vinho de Verão, talvez por ser leve, fresco e tenha apenas 12º de álcool, mas a verdade é que já vamos com o Outono bem entrado e soube-me muito bem num final de tarde a acompanhar uns pastelinhos de bacalhau. Parece-me unânime que a colheita de vinhos brancos de 2014 foi, salvo raras excepções, uma das melhores dos últimos anos e este vinho não foge à regra. O João Portugal Ramos Loureiro 2014 deu, na minha opinião, um salto qualitativo em relação à colheita anterior e por cerca de 4€ temos um excelente vinho à disposição. Aromático, com citrinos e flores, leve, de perfil delicado, e fresco, com uma acidez incisiva mas bem integrada no lado mais maduro da fruta. Tem no equilíbrio a sua maior qualidade. Um vinho muito bem feito, com uma relação qualidade-preço notável, algo que vem sendo apanágio deste produtor.
Se há um tipo de vinho que não consigo ter na minha garrafeira são vinhos espumantes. Não porque não goste deles, até pelo contrário, mas porque nunca aquecem o lugar. Talvez os beba demais ou os compre de menos, mas a verdade é que a maioria das vezes que me apetece um espumante não o tenho em casa. Foi o que aconteceu num sábado destes, neste Outubro de temperaturas amenas, que não me saía da ideia jantar com um bom espumante a acompanhar. Saí de casa e fui à Garrafeira Wines 9297, uma das mais próximas de minha casa, e pedi à Helena para me dar uma ajuda. A preferência acabou por recair no Soalheiro Alvarinho Espumante Bruto 2013, um vinho que nos chega do Minho, de Melgaço, produzido por uma das casas mais conhecidas do nosso panorama vínico. É um espumante de bom nível, com um nariz fresco, assente na fruta, cítrica. A bolha é fina e o vinho tem um estilo fresco e elegante, mas pareceu-me encontrar uma ligeira doçura na entrada de boca, nada que a acidez que tem, com conta, peso e medida, não equilibre. Bom para aperitivo ou entradas leves.
Este é só para quem gosta de vinhos velhos. Quem ainda está na fase de aromas primários e não resiste à potência da fruta envolvida pela madeira, deve passar a outro. O Tinto Velho José de Sousa, da Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes é um dos vinhos com mais história do nosso país e é ainda hoje venerado por todos os aficcionados do tema. Este Tinto Velho José de Sousa 1996 nasceu a partir de um lote elaborado com as castas Trincadeira, Aragonez e Bastardo, saídas das vinhas da Herdade do Monte da Ribeira em Reguengos de Monsaraz. Fermentou em ânforas de barro e estagiou em barrica. Saquei-lhe a rolha (inteira, estou a melhorar), que estava em relativo bom estado e decantei-o, voltando a colocá-lo logo de seguida dentro da garrafa (depois de limpa da borra). Gostei da cor. Vermelho com bordo atijolado. Nariz encantador. Fino e complexo. Barro, especiarias, terra, tabaco, lá no fundo ainda alguma fruta. A boca não está um portento, mas tem uma finura, que em harmonia com a elegante acidez dá uma prova de muito prazer. Há um toque oxidativo no final de boca, admito, mas isto é só para apreciadores de vinhos velhos. Cada vez tenho mais dificuldade em cruzar estes vinhos com comida, apetece-me simplesmente bebe-los a solo, enquanto o jantar apura, e aprecia-los na sua plenitude.
Poderia fazer aqui um grande texto a destacar as virtudes das vinhas velhas de Castelão que aos poucos vão sendo arrancadas para darem lugar a outras castas com resultados duvidosos, mas não o vou fazer. Apenas dizer que este vinho é um óptimo exemplo da capacidade da casta e que ao fim de quase vinte anos ainda dá uma prova capaz de entusiasmar o mais sisudo dos enófilos. Diz-se que na década de 90 a Herdade de Pegos Claros produziu alguns dos melhores vinhos DOC Palmela que já viram a luz do dia, algo que este Pegos Claros Tinto 1996 não desmente. Vinhas velhas de Castelão, fermentado em lagar, com pisa a pé, para depois estagiar durante doze meses em meias pipas de carvalho. Aroma fino, resinoso, depois de decantado ganhou muito. A boca segue o mesmo caminho, elegante, corpo fino, fresco e terroso, já não tem um grande final mas dá muito prazer a quem gosta deste estilo de tintos evoluídos. Comprei-o muito baratinho (3€) no Intermarché de Azeitão e não me arrependi nem um bocadinho.
Mas os vinhos velhos não nos trazem só boas surpresas, como bem sabemos, por vezes também somos brindados com algumas desilusões. E este Luís Pato Tinto 1986 não resistiu à guarda (provavelmente em más condições, cá em casa chegou apenas há uns meses e dei-lhe todos os mimos possíveis). A rolha estava toda ensopada e a verter e o vinho já não deu prova. Paz à sua alma. Uma pena, ainda para mais tinha boas expectativas num vinho que na altura venceu o 1º prémio no concurso “Os Melhores Vinhos da Bairrada”.
Agora um tema ainda mais difícil. Brancos velhos. Se os vinhos velhos já são desprezados por muitos, os brancos com idade são vinhos ainda mais ignorados, a que apenas um grupo muito restrito de consumidores dá valor. É pena, porque há brancos com idade que são autênticos monumentos, que por vezes nos fazem arrepender de os termos bebido tão cedo. Os brancos das Caves São João são um desses casos. Quase sempre são melhores com alguns anos de garrafa, haja coragem e paciência para esperar por eles. Este Frei João Bairrada Branco 1997 surpreendeu acima de tudo por chegar à mesa numa garrafa de 375ml e se apresentar cheio de personalidade e vigor. Carregado na cor, em tom dourado a fugir para o laranja. O que a cor poderia indiciar de menos bom, o nariz encarrega-se imediatamente de desmentir. Agradáveis notas de mel e fruta branca, um leve traço oxidativo que não chateia nada, a boca mostra grande frescura, encorpada e untuosa, tudo com uma classe e elegância ao nível da silhueta da Monica Belluci. Que grande pinta de branco! E só tem 18 aninhos.
Para terminar, um vinho doce, que veio cá parar a casa pela mão da minha mulher com o objectivo de fazer pêras bêbedas em moscatel. Trouxe-o do Lidl e a única coisa que consegui saber dele é que é uma marca própria do Lidl (que este ano vai ter um stand próprio no Encontro com o Vinho e Sabores), sendo o vinho produzido e engarrafado pela Sivipa. Flores e laranjas, doce, untuoso, corpo mediano, pouco complexo, para o preço (cerca de 3€, se bem me lembro) não está mal mas falta-lhe alguma frescura no final. Por mais um ou dois euros já se consegue algo muito melhor. As pêras não estavam más.