É sempre um prazer voltar aos vinhos de López de Heredia. Famosos pelo seu tradicionalismo, continuam sem cedências, com o seu perfil clássico que apaixona consumidores em todo o mundo. Repito-me várias vezes sobre este produtor, mas não consigo deixar passar uma oportunidade para reforçar que estamos perante uma das histórias mais bonitas do vinho da Rioja e que todos os apaixonados do vinho a deveriam conhecer. Assim como a fabulosa adega (com os seus túneis subterrâneos onde dormem milhares de garrafas), abrilhantada pela famosa loja em forma de decanter desenhada pela arquitecta Zaha Hadid. Em resumo, bons vinhos, história, tradição, património, tudo no mesmo local e a uma distância tão curta de Portugal. Passemos ao vinho…
A filosofia desta casa lendária da Rioja é a de um vinho, uma vinha. De cada vinha retirar o melhor das suas características e daí criar vinhos que se diferenciem pelo seu terroir. A vinha Bosconia (apontada na imagem) viverá sempre na sombra da mítica Vina Tondonia, de onde saem os topos de gama da casa, mas não é por isso que não produz também vinhos de grande qualidade. Curiosamente, ao início, os Bosconia eram desenhados para exprimir a elegância da Borgonha (daí a garrafa borgonhesa, em contraste com a bordalesa Tondonia) e até levavam Pinot Noir no lote, mas com o passar do tempo os papéis mudaram e hoje o estilo é o inverso. Os Bosconia passaram a levar uma percentagem maior de Tempranillo e o perfil que se pretende, por comparação com os Tondonia, é um pouco mais concentrado, com fruta mais madura, mas também com mais longevidade.
O Bosconia 2006 é um lote de Tempranillo, com 15% de Garnacha e 5% de Graziano e Mazuello. Como habitualmente são vinhos com longos estágios, polidos pelo tempo, que chegam numa fase adiantada de afinação às mãos do consumidor. Note-se que aqui o ónus do envelhecimento do vinho está do lado do produtor, o consumidor quando compra uma destas garrafas obtem um vinho já numa excelente fase de consumo, o que justifica sobremaneira os cerca de 25€ que custa na prateleira. São cinco anos de estágio em barricas de carvalho americano, produzidas na propriedade (das poucas que ainda mantêm tanoaria própria) e depois quase outro tanto em garrafa. Todo o processo de vinificação é o mais tradicional possível, leveduras naturais, transfegas manuais, sem filtração e o já referido longo estágio em barrica e depois em garrafa. O resultado é um vinho extraordinário, para beber sem pressas, com a devida decantação, sob pena de perdermos o melhor do que tem para nos oferecer. Complexo, rústico mas limpo, macio, a mostrar ligeira oxidação, alguma fruta e alguma, pouca, baunilha, tudo envolvido num complexidade de aromas terciários notável. A boca é marcada pelo equilíbrio, dos taninos polidos, do corpo de média intensidade, de uma acidez viva e presente e, talvez o seu maior mérito, de um final longo, fresco e cheio de sabor.
Termino recuperando as palavras de um grande senhor do vinho português, Dirk Niepoort, aquando da prova de celebração dos 50 anos da Vina Tondonia, que conduziu na companhia de Maria José López de Heredia durante uma edição da Essência do Vinho: “Num mundo de modas que me irrita cada vez mais, com seus usos e abusos, ainda há quem siga a tradição, como esta adega da Rioja“.