As Irlandas – Parte 1 (Dublin)

Era a viagem que faltava para terminar o ciclo das Ilhas Britânicas. Uma semana dividida pelas capitais dos dois países, numa altura em que a incerteza do Brexit marcava as conversas nos pubs. Dublin, mais cosmopolita, turística e festiva, com as temperaturas amenas de Julho a colorirem as suas ruas e jardins em tom festivo. E Belfast, mais fria, rude, autêntica, tão apaixonante na sua história como na sua vida boémia. Foi uma viagem muito enriquecedora, que recomendo a toda a gente que goste de viajar. Deixo, como é hábito, algumas sugestões de locais por onde passámos e que não me importaria de voltar. Façam boa viagem!

A melhor opção para nos deslocarmos em Dublin é de transportes públicos. A cidade tem uma rede de transportes muito boa, que cobre toda a cidade e é britanicamente pontual. É por isso essencial, assim que chegamos ao aeroporto, adquirir o The Leap Visitor Card, que nos dá acesso ilimitado aos autocarros, comboio e tram. O bilhete de 24 horas custa €10, 72 horas €19.50 e 7 dias €40. 

Para dormir há opções para todos os gostos e carteiras. Optámos pelo bairro de Rathmines, a cerca de 2km do centro da cidade e revelou-se uma excelente opção. Em tempos Rathmines era um bairro com residências económicas onde estudantes e trabalhadores chegados à cidade se instalavam, mas hoje é uma zona residencial gentrificada onde jovens com algum poder de compra partilham os edifícios residenciais com algumas comunidades estrangeiras. Será o lisboeta Intendente, sem tanta decadência. Rathmines Road Lower é o coração do bairro, uma grande avenida de comércio local, com os mais variados cafés, restaurantes, supermercados, etc, que dista somente 10 minutos do centro da cidade.

Começemos a descoberta da cidade por Temple Bar, a sala de visitas da cidade, à beira do Rio Liffey. Com as suas ruas pejadas de pubs, lojas, galerias de arte e tudo o que se possa imaginar, este é um bairro incontornável. Lugar de reunião durante o dia e de diversão à noite, é o lugar mais concorrido da cidade e nenhum visitante vai passar por Dublin sem querer lá ir tirar uma foto. Aos sábados há mercados de rua (Meeting House Square).

Um dos lugares mais recomendáveis na zona para fazer uma refeição tradicional irlandesa é o The Woollen Mills. Com vistas para o Liffey e bem de frente para a agitação de Temple Bar, este é um lugar onde podemos provar o tradicional Potted Crab & Brown Shrimp (um género de paté de marisco) ou o Cordeiro das Blackstairs Mountains. Na porta ao lado fica o The Winding Stair bookshop & restaurant, dos mesmos proprietários, numa versão mais cara e refinada.

The Woollen Mills

O que não falta em Temple Bar são pubs, de todos os estilos e para todos gostos. Se são fans de cerveja artesanal, fujam um pouco do olho do furacão e numa rua periférica junto ao rio vão encontrar o Porterhouse Bar, que é um fantástico brew-pub onde podem beber a melhor cerveja Oyster Stout a acompanhar com as tradicionais Ostras de Carlingford Rock. As opções de cerveja no draft são muitas e a animação é garantida.

Ainda em Temple Bar outro pub muito recomendável é o Merchant’s Arch, mesmo de frente para o Liffey e junto à famosa Ha’penny Bridge (Half Penny, porque no século XVII todos os moradores de Dublin contribuiram com 50 cêntimos na sua construção). Este é um pub muito animado, com música ao vivo e os principais eventos desportivos a passar nas tv’s. Há pints de Guiness a sairem a toda a velocidade e uma boa carta de “pub food” para acompanhar. Além disso é muito conveniente, pois serve refeições das 9 às 22:30. Vale a pena visitar nem que seja só para ver o interior do bonito edifício do século XIX, actualmente um dos dois Merchant Guild Halls da cidade que sobreviveram.

Muito próximo de Temple Bar encontramos outro dos bairros mais fervilhantes da capital irlandesa, o Creative Quarter. Um quarteirão de lojas independentes, com muito comércio local, que merece um passeio descontraído à descoberta destes negócios de autor.

É precisamente no Creative Quarter que vamos encontrar o Loose Canon, a meca dos vinhos naturais no centro de Dublin. Vinhos de várias partes da Europa (Portugal inclusivé) com queijos e produtos irlandeses a acompanhar, num ambiente descontraído e bem disposto. Morada obrigatória para os winelovers.

Um edifício residencial tradicional de Dublin.

Continuando pelos locais relacionados com o vinho mais excitantes da cidade, é imperioso que nos afastemos um pouco do centro da cidade para ir conhecer o Green Man Wines em Terenure. Este restaurante, garrafeira e wine bar, tem uma impressionante carta de vinhos de todo o mundo, assente em produtores independentes e com uma selecção apaixonada e muito criteriosa. Jantámos lá um dia e é um local imperdível para os aficcionados do vinho.

Antes de avançarmos para a parte cultural da cidade, uma pequena paragem no Meet me in the Morning para um brunch calórico que nos deixará sem fome durante algum tempo. Na zona do Jardim de St Stephens este café é muito popular entre os locais e enche-se ao fim de semana para os famosos pequenos almoços irlandeses ou para outras abordagens mais light e saudáveis. As refeições são compostas a partir de produtos frescos de pequenos produtores da região.

Já que estamos por perto podemos fazer um pequeno passeio pelo St Stephen Green (Jardim de St Stephen). Este verdejante parque público na zona central da cidade é o preferido das famílias quando os valiosos raios de sol decidem brindar a cidade com dias mais quentes. Por aqui podemos encontrar pessoas de todo o tipo que aproveitam os relvados para se juntarem com as familias ou amigos. Foi aqui que o heroi da cidade Michael Mallin se exilou com seu exército popular na Rebelião de 1916 contra as forças unionistas inglesas. A revolta foi esmagada, Mallin detido e, semanas mais tarde, executado na Prisão de Kilmainham.

Trinity College

O Trinity College é um dos locais a não perder em Dublin. É uma universidade enorme, muito consagrada, cheia de zonas verdes e edifícios históricos misturados com outros mais contemporâneos. A impressionante biblioteca faz jus à tradição literária da cidade e guarda o famoso Book of Kells, um manuscrito de grande valor da autoria de monges irlandeses do século IX. Estima-se que a biblioteca tenha nas suas prateleiras cerca de 200.000 livros.

Outro café com muita personalidade é o Groundstate, na James’s Street, muito próximo do Museu da Guiness. Excelente opção para um café ou brunch, antes ou depois da visita à maior atracção da cidade.

Groundstate

A história da cerveja Guiness funde-se com a história de Dublin e não é por acaso que a Guiness Storehouse é a maior atracção da cidade. São 7 pisos onde se descobre a história desta marca que se tornou global. Do contrato de arrendamento celebrado por Arthur Guiness durante 9000 anos que se pode ver no piso 0, até aprender a arte de tirar uma Guiness na perfeição no piso 4, passando por um impressionante acervo histórico de tudo o que se possa imaginar estar relacionado com esta mítica marca, o que não faltam são motivos de interesse neste museu. A visita termina inevitavelmente no 7º piso onde o Gravity Bar serve pints de Guiness com vistas panorâmicas sobre a cidade. Não se esqueçam de comprar os bilhetes online para terem direito ao desconto e evitarem as filas na entrada (18,50€/px com direito a um pint).

Entre a Guiness Storehouse e o centro da cidade fica o bairro típico The Liberties, um dos mais antigos e emblemáticos de Dublin, onde podemos contactar com o verdadeiro espírito das gentes da cidade. Além do Museu da Guiness, outras das grandes atracções do bairro é o Liberty Market, o mais autêntico dos mercados da cidade. O lema do mercado é “Why Pay More?” e não é por acaso que milhares de pessoas aqui acorrem à procura das famosas pechinchas que os seus vendedores se orgulham de continuar a oferecer. Se gostam de se misturar com os locais e sentir a sua atmosfera muito própria, então não podem perder um dos locais mais castiços da cidadae.

O Bairro Liberties e o famoso Liberty Market.
Michael Mallin, o homem que com o seu exército popular se barricou no jardim de St Stephens, durante a rebelião da Easter Rising, na Páscoa de 1916. A intenção era declarar a independência da Irlanda sobre a Inglaterra. A revolta foi esmagada, Mallin detido e semanas depois executado, na histórica prisão de Kilmainham. A cidade imortalizou-o, seja na estátua que lhe ergueu no St Stephens Green, seja nos murais pelos muros de Dublin (reza a história que durante a ocupação do jardim, foi feita uma trégua de paz para os patos serem alimentados.

Quem sai da zona do Liberty Market a pé em direcção ao centro vai encontrar a Catedral de St Patrick’s, a maior igreja da Irlanda. O edifício do século XIII, que foi restaurado no século XIX por Benjamin Lee Guiness é uma impressionante obra medieval e considerada a catedral nacional da Igreja da Irlanda. A entrada é paga (não me recordo o valor), mas é uma quantia simbólica, apenas um contributo para a manutenção da igreja. Os jardins da catedral são muito procurados pelos habitantes da cidade, principalmente no bom tempo, que aqui param para almoçar, descansar ou simplesmente estar com os amigos.

St Patrick’s Cathedral

Saíndo do The Liberties e quase a chegar à zona de Temple Bar vamos encontrar outra referência para os amantes de vinho na cidade, o Piglet Wine Bar. O Piglet é wine bar e restaurante e tanto podemos parar para beber um copo como para fazer uma refeição. Almoçámos lá um dia, estava vazio, mas a comida era óptima e ao almoço tem uns menus de preços mais simpáticos (não é barato). O espaço é simples mas engraçado e o serviço é simpático e profissional. Tem uma excelente lista de vinho a copo e uma boa seleccção de vinhos, a maioria deles de produtores independentes. Ficámos com a sensação que à noite será muito mais divertido.

Dublin tem mais de 1000 pubs pelo que existem opções para todos os gostos, mas há um que talvez possa ser considerado o mais clássico de todos, o Mulligan’s. Este estabelecimento do século XVIII foi lugar de paragem assídua das grandes figuras literárias da cidade, diz-se que James Joyce era cliente habitual, por entre outros notáveis. Hoje merece a visita pela curiosidade e para beber uma pint de Guiness onde os antigos heróis literários da cidade o faziam.

Piglet Wine Bar

Para fazer compras ou simplesmente ver as montras e os muitos artistas de rua, a Grafton Street é um local a não perder. Fez-me lembrar, à sua proporção a Rua de Santa Catarina, no Porto. Milhares de pessoas enchem esta artéria comercial, seja para fazer compras, para ver as montras, ou simplesmente para ver os muitos artistas de rua.

Se gostam de desporto então não podem perder a visita ao Croke Park, um símbolo nacional e principal palco dos Jogos Gaélicos. Os Jogos Gaélicos fazem parte da herança cultural e histórica da Irlanda e o Futebol Gaélico e o Hurling (duas das cinco modalidades dos jogos gaélicos) são mesmo os desportos mais populares do país, ultrapassando o futebol e o rugby. 

Rathmines é um bairro residencial a sul do centro de Dublin. Em tempos foi um bairro com residências económicas onde estudantes e trabalhadores chegados à cidade se instalavam, mas hoje é uma zona gentrificada onde jovens com algum poder de compra partilham os edifícios residenciais com algumas comunidades estrangeiras. Será o lisboeta Intendente, sem tanta decadência. É aqui que Jonathan, uma carismática personalidade do bairro, gere o seu Ernesto’s Coffee & Artisan Foods, um café com um ambiente encantador, com música cubana e muitas referências culturais deste país. A complementar o decor, muitas camisolas do Dublin Club, uma das principais equipas de futebol gaelico da cidade. Não vale a pena irem a Rathmines de propósito, mas se por acaso andarem pela zona é ir conhecer o Jonathan.

Ernesto’s Coffee & Artisan Foods

Termino o capítulo de Dublin com mais três referências que levava mas que o tempo já não permitiu visitar, ainda assim partilho se quiserem irem por vossa conta e risco:

Kilmainham Gaol, a prisão onde muitos dos presos políticos irlandeses foram presos, interrogados e executados, é hoje um museu que simboliza a luta pela independência irlandesa.

Ely – Erik e Michelle Robson, dois apaixonados pelo vinho, gerem este wine bar com uma carta de 500 vinhos e 80 opções a copo. Também servem refeições e muitos dos produtos que compõem o menu chegam da sua própria quinta biológica.

O Etto Está localizado nas traseiras do Jardim St Stephen’s e é um dos restaurantes e wine bares mais populares da cidade. Já foi considerado o melhor restaurante de Dublin e hoje faz parte da lista dos Bib Gourmand escolhidos pelo Guia Michelin. No que toca ao vinho tem uma particularidade muito interessante, os seus proprietários aderiram ao sistema wine on tap da Winelab, onde se pode servir vinho a copo a partir de uma torneira (tipo cerveja). Além disso tem uma boa carta de vinhos com muitas outras opções, para acompanhar os pratos de inspiração mediterranica.

Agora vamos para Belfast, outro país, outra capital, até breve…

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