Encontrar hoje em dia em Lisboa um conceito de restauração que nos surpreenda verdadeiramente é tão difícil como encontrar uma agulha num palheiro. A imaginação não abunda e é ver replicar até à exaustão hamburguerias de tudo e mais alguma coisa, tabernas disto e daquilo, qualquer coisa que seja gourmet ou do bairro, se tiver ceviches ainda melhor, ou, a tendência mais recente para atrair alegres turistas, os wine bars. Nunca vi tantos como agora. Farão todos um bom serviço na promoção do vinho?
Também por isto, Aquele Lugar Que Não Existe é de facto uma pedrada no charco. Em todos os aspectos.
Começa pelo nome, que mais sugestivo não podia ser: Então hoje onde é que vamos jantar? Vamos Aquele Lugar Que Não Existe. Haverá melhor cartão de visita?
Depois, deve ser o único restaurante aberto no século XXI que faz de tudo para não ser badalado nas redes sociais e -espertos- só por isso irá sê-lo fortemente. Não têm site nem facebook, nem autocolantes da Zomato ou da Tripadvisor à porta, apelam-nos que os divulguem apenas pelo cada vez mais romântico modo do “boca-a-boca”.
Segue-se a localização, no emergente bairro de Marvila/Beato, a decadente zona oriental da cidade, esquecida e degradada, que aos poucos se começa a erguer dos escombros fabris que a caracterizou nas ultimas décadas, para começar a ser badalada como a “next-big-thing” da capital. Tendência que já galgou fronteiras, como comprova o recente artigo do espanhol El País sobre os 18 bairros do mundo que nunca ouvimos falar e agora vamos querer visitar.
Tudo isto já são motivos mais que suficientes para nos deixar curiosos e fazer correr de imediato com um grupo de amigos para descobrir este lugar que afinal até existe.
Ao chegarmos encontramos uma insuspeita entrada de armazém, entalada entre outras insuspeitas entradas de armazém. A porta não tem numero, nem nenhum letreiro, apenas um grande cortinado que cobre praticamente toda a entrada. Salva-nos levar a morada e por exclusão de partes chegar à conclusão que é mesmo ali. A curiosidade de espreitar por detrás daquele cortinado é muita e, apesar de tudo o que boca amiga nos tinha relatado sobre o lugar, nada nos prepara para o que vamos encontrar.
Não vou fazer grandes descrições do interior nem colocar muitas fotos, respeitando a vontade dos mentores do projecto. Eles querem que as pessoas se surpreendam quando entram pela primeira vez neste velho armazém e levam essa premissa muito a sério. Eu próprio fui abordado enquanto tirava fotografias ao espaço (porque é impossível conter o impulso de não sacar uma foto à socapa daquele lugar): “Peço por favor que não tire fotos, sabemos que o espaço é bonito, mas estamos n’ Aquele Lugar que não Existe”. Sorri. Pensei que estavam na brincadeira. Passado um segundo percebi que não, quando tranquilamente me começaram a explicar o conceito.
Levantando um bocadinho o véu, perdão, o cortinado, avanço apenas que estamos num lugar de uma decoração muito original, com dois fornos de pizza a lenha de onde saem especialidades como a Vietnamita de Chelas (camarão, alcachofras e cebola com molho agridoce picante) ou Italiana da Lourinhã (pêra rocha, rúcula e presunto) e onde convivem alegremente mesas de snooker, andaimes, o piano-garrafeira e uma infindável parafernália de objectos surpreendentes. Além das pizzas há comida de inspiração indiana, também aqui com um toque especial da casa.
Aos almoços semanais há menus, mais económicos, desenhados para o efeito. Os almoços de Sábado são em modo buffet, com uma oferta que mistura pratos indianos e as originais pizzas acabadas de sair do forno. Aos jantares, onde a atmosfera ganha outra dimensão, a escolha é exclusivamente à carta e apenas funciona com reservas. A carta de vinhos é curta mas para o efeito chega e sobra. Tem (poucas) opções a copo e os copos e temperaturas são aceitáveis. Os preços não são escandalosos.
Só pela decoração valia a pena visitar este Aquele Lugar que não Existe. Se juntarmos a isso, originais pizzas a lenha a um preço honesto para os dias que correm, num ambiente verdadeiramente original, então poderemos estar perante um dos mais entusiasmantes recentes projectos de Lisboa. Fica a sugestão para a oriental incursão.
Ao jantar, que se vá mais cedo, com tempo para uma boa cerveja artesanal na fábrica do, também ele surpreendente, projecto Dois Corvos, localizada duas ruas à frente do restaurante.
Aquele Lugar Que Não Existe
Rua do Açucar 83, Lisboa
Tel: 96 001 6208
Preço médio: 15€
Excelente!