“O PÚBLICO do passado dia 3 de Maio mostrou que os portugueses vão cada vez menos a restaurantes. Mas como o sol brilhava, era domingo e Dia da Mãe, era de esperar que enchessem os restaurantes de peixe à beira-mar. Mas não. Só se safaram os poucos que são bons e baratos. Os outros ficaram com os frigoríficos cheios de robalos. É que os restaurantes que se dedicam ao peixe adoram armar-se em careiros. Num país de peixe, acham que o peixe é um luxo. Numa costa com tantos peixes diferentes, só querem servir os peixes mais caros. É sempre o mesmo tédio exorbitante do robalo; da dourada; do linguado; do sargo; da garoupa; do cherne; do pargo; do salmonete – e acabou. Por serem tão caros, a maior parte passa os dias no frio, a perder a frescura obrigatória. É assim que as casas que sabem cozinhar bem o peixe fresco estão vazias e de costas viradas para o mar, suicidando-se devagar porque continuam teimosamente agarradas à ganância e à preguiça dos peixes caros. Muitos não servem carapaus, sardinhas, pescadinhas ou peixe-espada, por considerá-los indignos. Leia-se: baratos de mais. Para se perceber a dimensão deste crime culinário de lesa-majestade e de usura, eis uma pequena lista de outros deliciosos peixes da nossa costa que nunca têm: bodeão; cantaril; sarda; chicharro; rascasso; anchova; cavala; azevia; carta; abrótea; badejo; besugo; goraz; agulha; faneca; ferreira; peixe-aranha; corvina; peixerei; congro; ruivo; lírio; solha e peixe-porco. Sirvam mais peixes e salvem-se, porra!”
Miguel Esteves Cardoso na sua coluna diária do PÚBLICO, “Ainda Ontem”