Ao longo deste percurso como enófilo tenho tido a sorte de ter amigos que me têm proporcionado ocasiões verdadeiramente memoráveis. São muitas memórias. De provas, de refeições, de visitas a produtores, de viagens, mas mais importante que tudo, de grandes momentos de companheirismo e amizade.
Há dias, em mais um desses momentos inesquecíveis, tive a felicidade de participar num almoço onde, além de uma grande refeição, se provaram vinhos verdadeiramente extraordinários, daqueles que nos deixam a suspirar durante muito tempo. Comecemos pelo início…
O mote para tão ilustre reunião estava dado por uma prova de seis vinhos, em jeito de mini-vertical, do Premier Cru La Forest de Vincent Dauvissat, um ícone de Chablis e da Borgonha.
A seguir a François Raveneau, Dauvissat será porventura o mais cotado produtor de Chablis, com os seus brancos de Chardonnay de algumas das mais valiosas vinhas daquela região da Borgonha, a serem muito cobiçados e por vezes a atingirem valores exorbitantes. A vinha La Forest está no topo das Premier Cru de Chablis. Há quem a equipare a muitas vinhas Grand Cru e há mesmo quem prefira estes Premier Cru de Dauvissat a alguns Grand Cru de Chablis.
“La Forest” está inserida numa das principais vinhas de Chablis, a Premier Cru Montmains, mas pela sua especificidade e qualidade, destacou-se da vinha original e ganhou o direito de ter o nome próprio nos rótulos. Os vinhos provenientes desta vinha, podem no entanto surgir apenas com a denominação Montmains no rótulo. Além da privilegiada exposição solar, os famosos solos Kimmeridgien fazem desta um terroir de eleição para a uva Chardonnay.
Era isto que nos esperava no almoço marcado para o restaurante A Lúria, em Tomar, por esta altura do ano um bastião do Sável e da Lampreia.
E os vinhos cumpriram plenamente. Por vezes quando a expectativa é muita, mesmo em vinhos deste nível, a desilusão também pode ser grande, mas estes Dauvissat confirmaram tudo o que esperamos deles e mostraram uma grande expressão de um Premier Cru de Chablis.
São vinhos que têm tudo. Contidos, mas ao mesmo tempo expressivos nas notas aromáticas dos grandes Chardonnay. A maloláctica confere untuosidade e complexidade, com as notas amanteigadas bem refrescadas por uma fruta fresca e viva. A barrica está lá, traz dimensão, riqueza, mas tão bem metida que nem se dá por ela. Na boca confirmam-se todas as sensações aromáticas, profunda, rica, densa, com uma acidez fina a conferir frescura e dimensão a um final longo e de grande persistência. Mas o que mais impressiona no meio de tudo isto, é uma consistência e um equilíbrio extraordinários entre colheitas.
Dos seis vinhos em prova, de 2008 a 2013, diria que apenas o 2013 se mostrou uns furos abaixo dos demais. Talvez por ser muito jovem, ou talvez por 2013 ter sido um ano menos bom em Chablis, não sei, a verdade é que perdeu em comparação. Talvez se tivesse sido provado noutro contexto, sem esta concorrência de peso, a minha impressão tivesse sido outra. Todos os outros em grande plano, com destaque para o 2008 e 2010, este último o meu favorito.
Principais conclusões que retiro desta prova. Os anos de garrafa fazem muito bem a estes vinhos, isso foi evidente à medida que iamos avançando na idade. O tempo parece que custa a passar por eles, tal a pouca evolução entre colheitas. Expressam de forma directa a qualidade do ano agrícola, com os melhores vinhos da prova a coincidirem com os melhores anos em Chablis. E por último, a consistência entre colheitas. Mesmo com todas estas especificidades que registei, os vinhos estavam todos a um nível muito semelhante, com um perfil coerente e muito fácil de identificar. Notável.
Ao nível dos vinhos esteve a comida que nos chegou à mesa. Com a cozinha da Luria a dar um recital de excelência no que toca a este tipo de gastronomia regional. Além dos acepipes onde as Cilercas foram protagonistas, o Sável esteve soberbo e, já na companhia dos tintos, um Arroz de Lampreia de comer e chorar por mais (não estivessemos já cheios que nem uns abades).
Os tintos também se mostraram em bom plano, não fossem também eles grandes vinhos, mas alguns a necessitar de mais tempo em cave para se expressarem na plenitude. No duelo de Saint-Joseph, o Chave levou a melhor sobre o Gonon. Magnífico o primeiro, rico, poderoso, inebriante, em contraponto com a juventude do segundo. Depois nos Cornas, preferi o Jaboulet ao Vincent Paris. Se bem que aqui as coisas estiveram mais equilibradas, com duas boas amostras de Syrah desta região do norte do Rhone. E o degrau mais alto ficou reservado para o Côte-Rôtie de Georges Vernay, numa expressão magnífica da casta Syrah (temperada por 5% de Viognier). Um manual de elegância. Fino, leve, frutado, mas tão complexo, com tanta presença e persistência.
Termino com uma reflexão, sem querer entrar em polémicas bacocas. Numa altura em que vemos os vinhos portugueses a atingir notas altíssimas e preços exorbitantes, (reconhecendo-lhes a qualidade, mas mantendo a noção), o que reservar para vinhos deste calibre? E lembro que nem sequer estamos no degrau mais alto da hierarquia dos grandes vinhos do mundo. Dá que pensar, onde gastar o dinheiro.