Em 2009 tive o privilégio de fazer uma road trip pela Toscânia e aí ter um primeiro contacto com os vinhos daquela região italiana. Foi uma das viagens que fiz que recordo com mais saudade e sempre que falo no assunto fico com vontade de me meter num avião e voltar. Florença, Siena, Montepulciano, Montalcino, Greve in Chianti, San Gimignano, são lugares de uma beleza ímpar, que devemos visitar pelo menos uma vez na vida, mas que para alem de tudo isto ganham uma outra dimensão se somos aficcionados dos vinhos. Foi nesta circunstancia que visitei a Enoteca Falorni (imperdível), em Greve in Chianti e provei pela primeira vez os afamados Brunello di Montalcino.
Foi por isso com um misto de saudosismo e expectativa que fui para o jantar vínico do produtor italiano Piombaia Rossi Cantini, que teve lugar no restaurante Don Castellana, em Lisboa.
Rossi e Cantini são duas famílias de agricultores da Toscania que quis o destino se unissem através do casamento de dois dos seus membros. Estávamos em meados do século XX e o gosto pela terra permitiu que desenvolvessem a sua actividade ligada à lavoura adquirindo varias propriedades, entre elas Piombaia. Com o boom dos Brunello nos anos 80 não restavam duvidas que o futuro de Montalcino estava no seu vinho e foi a partir desse momento que o negócio da família apostou ainda mais na sua produção. Foram feitos vários investimentos nesse sentido, tanto na modernização do trabalho na vinha e na adega, como no enoturismo, com a recuperação da azienda La Crocina, onde hoje se insere também a Osteria.
Actualmente a empresa é gerida por Roberto Cantini mas são os seus filhos, Francesco (responsável pela enologia) e Cecília (comunicação e marketing), que chamam a si a responsabilidade de representar a mesma.
E na ausência do seu irmão Francesco, foi Cecília Cantini que apresentou a empresa, dirigiu a prova e respondeu a todas as questões dos presentes.
Enquanto nos ia falando das características da produção dos seus vinhos, destacava a aposta profunda que fizeram há tres anos na conversão dos 50 hectares de vinha que detêm actualmente para agricultura biodinâmica. Uma aposta que segundo a própria já está a dar resultados, não só nos vinhos mas também nas suas próprias vidas. Um método, mas também uma filosofia, que vai granjeando cada vez mais adeptos por esse mundo fora. Centrando a produção na casta Sangiovese (também têm algum Merlot) orgulham-se de produzir vinhos autênticos, que expressam o terroir mediterrânico da região, recorrendo a métodos de produção simples e com o menos de intervenção possível.
Entretanto foram chegando os vinhos. Primeiro um Sant’Antimo Rosso, a mais recente denominação de Montalcino, onde se engloba toda a produção da região que não seja Rosso, Brunello ou Moscadello. O Gatto Nero 2008 (10€) traz um lote de Sangiovese (90%) e Merlot, com estágio de 8 meses em barrica usada. “Sempre em barricas usadas, porque não queremos esconder a pureza dos nossos vinhos” fez questão de frisar Cecília. Um tinto marcado pela leveza, com as especiarias e um leve couro a marcarem o aroma e a elegância e persistência a caracterizarem a prova de boca.
Depois o Piombaia Rosso di Montalcino 2010 (14€), 100% Sangiovese e sem recurso a madeira. Cecília refere-se a este vinho como a expressão pura da sua terra. “Sem qualquer maquilhagem, este é um vinho que expressa na perfeição as capacidades da casta Sangiovese em Montalcino, que tem um comportamento muito diferente de Chianti”. Os Rosso di Montalcino são uma DOC criada apenas nos anos noventa, com a finalidade dos produtores da região poderem fazer um vinho com menos tempo de estágio, mais leve e fresco que os Brunello. Este Piombaia mostra-se fino no aroma, com os frutos silvestres em boa comunhão com as especiarias como a pimenta. Na boca mantém o perfil fresco, equilibrado, com boa estrutura e bom final. 2010 foi um excelente ano em Montalcino e isso ajuda a explicar o belo vinho que nos passou pela mesa.
De seguida foi a vez do Piombaia Brunello do Montalcino 2008 (40€). O Brunello di Montalcino é o mais famoso vinho de Itália e um dos mais conceituados do mundo. Produzidos exclusivamente com as uvas Brunello (Sangiovese Grosso) que nascem na região de Montalcino, são vinhos que têm de passar por um período de estágio de 4 anos, ou 5 cinco se for Reserva. Pelo menos dois desses anos têm de ser passados em barrica e os vinhos têm obrigatoriamente de ser engarrafados quatro meses antes de serem lançados para o mercado. São estas rigidas regras que mantém os altos parâmetros de qualidade que se pretendem para esta categoria. 2008 foi um bom ano em Montalcino (mas não excelente) e este Piombaia estagiou 36 meses em barrica usada e depois mais um ano em garrafa. Aroma dominado pela fruta, ameixas, frutos pretos silvestres, bem temperado por leves notas vegetais e de especiarias. Acidez bem viva na boca, a contrariar um nariz mais “quente”, num conjunto macio, elegante e de grande equilíbrio.
Chegou a hora do jantar e do Chef Ricardo Paglia apresentar o seu restaurante. Natural de Roma, passou pela Toscânia e por Londres até chegar à baixa de Lisboa com a sua cozinha de sabores tradicionais italianos. O restaurante Don Castellana abriu as portas há cerca de um ano, na Rua da Moeda, em Santos, no badalado quarteirão do Mercado da Ribeira e pretende mostrar aos lisboetas que a cozinha italiana é muito mais que pizza. Foi esse o mote para a refeição que preparou para harmonizar com os vinhos de Piombaia.
Foi preciosa esta aproximação ao mundo mais desconhecido dos Brunellos de Montalcino, através deste pequeno projecto familiar que faz questão de marcar a diferença pela autenticidade dos seus vinhos. Os cuidados na produção, o respeito pelo terroir e um grande sentido de responsabilidade por fazerem vinho numa das mais mediáticas regiões do mundo, fazem de Piombaia uma marca a descobrir e um ponto de paragem obrigatório numa próxima ida à Toscânia.