Uma mesa despida, um garfo e um copo de água (o copo de vinho já chegou depois), é desta forma que somos recebidos no Leopold. Um minimalismo desconcertante que foi o mote para uma das melhores refeições que fiz nos últimos tempos, segue-se o relato.
Legumes na Terra. Cenouras baby, Espinafres turcos, Beterraba, tudo plantado num canteiro de terra de alfarroba e cacau, espevitado pelo tempero da pimenta preta. O puré de nabo (divinal no contraste com a flor de sal) e o saboroso miso branco compunham um ramalhete de luxo. Produto e técnica, estética e sabor, simplicidade e emoção… Uma delícia.
É necessário uma coragem imensa para trazer um projecto desta natureza a Lisboa. Na cidade do prato cheio, dos molhos, das batatas com arroz, das modas à volta dos hambúrgueres e dos neo petiscos, arriscar numa cozinha tão desconcertante de simples como entusiasmante de complexidade, com produtos tão nossos, interpretados em inspiradas combinações, com a ajuda de técnicas precisas e delicadas, é fazer desta uma aventura notável de audácia e querer.
Ainda para mais quando estamos a falar de um espaço exíguo, de cerca de 20m2, apenas com 4 mesas, sem saída de fumos, o que obriga à não utilização de lume na confeccção (tudo é cozinhado num forno eléctrico e numa maquina de vácuo a baixa temperatura), inserido num bairro típico mal amado (por enquanto) onde não há estacionamento, é elevar o risco a um patamar estratosférico. Mas é tudo isto que alimenta a experiência de jantar no Leopold, quebrar com todos e quaisquer preconceitos, centrando na refeição a responsabilidade de secundar tudo o que gira à sua volta.
Nunca tinha ouvido falar no Leopold, foi uma novidade absoluta para mim quando o descobri nesta publicação do blog Mesa Marcada. Fiquei cheio de curiosidade e não descansei enquanto não experimentei, o que aconteceu num jantar de quinta-feira onde encontrei a sala completa (são apenas quatro mesas, relembro). A boa impressão começou logo na reserva, que fiz via email e não esperei mais de trinta minutos a ter a resposta de confirmação.
Chegar ao restaurante é muito fácil, basta estacionar no Parque do Chão do Loureiro e ficamos a 100mts do mesmo. Chegados ao local deparamos com um espaço pequeno, bonito, de decoração simples e sóbria, onde impera o balcão vintage de mármore que transitou da antiga padaria que funcionava no local. A cozinha está mesmo ali, à vista de todos, onde Tiago Feio (ex Largo), com uma serenidade para lá de zen, vai deixando ver as preparações dos nossos pratos. Nas mesas, é a sua mulher Ana Cachaço que nos acolhe e nos vai descrevendo a viagem através desta inesperada aventura.
Uma aventura que, toda ela, pisca o olho à influencia da nova cozinha nórdica, a nova vaga naturalista que restaurantes como o Noma ou o Faviken colocaram nas bocas do mundo. Os produtos autóctones, cozinhados o menos possível, quando não crus, o respeito pela sazonalidade dos alimentos e as suas características nutricionais e a utilização de ingredientes com baixo teor de gordura (muitos vegetais), são influencias de uma cozinha que tem inspirado cozinheiros em todo o mundo. Tiago Feio vai beber dessa água, traduzindo-a com grande sensibilidade para a nossa realidade. Uma cozinha de precisão e minúcia, com pontos de cozedura irrepreensíveis, para um resultado muito conseguido.
Última palavra para o vinho. Carta curta mas com boas opções. O Luis Pato Vinhas Velhas Branco 2013 (17€) acompanhou toda a refeição e mostrou grande aptidão para a coisa. Os preços são justos e comedidos e os copos são bons mas não têm pé, o que deixará sempre um wine geek a olhar de soslaio.
Admito que o factor surpresa possa ter tido influencia, mas a verdade é que esta primeira incursão no Leopold foi das mais entusiasmantes refeições que fiz nos últimos tempos. Para conferir o mais breve possível.
Leopold Rua de São Cristóvão 27, Lisboa Tel: 21 886 1697 Email: [email protected] Só jantares. Fecha Segundas e Terças. Preço médio sem vinho: 20€ (não tem multibanco)