Vertical Duas Quintas Reserva

Falar de Duas Quintas é falar da história dos vinhos de mesa do Douro. E se hoje ainda podemos falar em Douro Clássico muito se deve à Casa Adriano Ramos Pinto e ao Duas Quintas Reserva, uma referência incontornável dos vinhos do Douro e dos poucos grandes tintos da região que ainda é possível comprar na casa dos 25€.

Ao longo dos tempos, mesmo junto das franjas mais apaixonadas, estes vinhos têm vindo a perder visibilidade para outras marcas mais recentes e badaladas, mas nesta prova vertical de 17(!) colheitas mostraram que não há justificação para nos fugirem do radar. Confirmaram o que já se sabia mas que às vezes nos esquecemos, vinhos com muito carácter, sérios e fiéis à terra onde nascem, mesmo as colheitas mais recentes, com estilos que não andam a reboque das modas nem dos perfis para ganhar medalhas.

São vinhos que nascem no Douro Superior a partir de vinhas provenientes de duas quintas, a Quinta dos Bons Ares, com mais altitude e frescura, e a Quinta de Ervamoira, com mais corpo e concentração. Entre 1990 (quando a marca foi criada) e 2014 a enologia foi de João Nicolau de Almeida. Não existe uma fórmula exacta para estes vinhos e ela tem sido mudada ao longo dos tempos e ao sabor do que as colheitas oferecem. A Touriga Nacional, a Tinta Roriz, a Touriga Franca, a Tinta Barroca e o Tinto Cão, em mais ou menos percentagem marcam quase sempre presença, mas ao longo dos anos também tem havido espaço para outras menos conhecidas como a Tinta da Barca.

Desta vez, o anfitrião destas valiosas jornadas vínicas, escolheu o centro histórico de Viseu e a tasca moderna Tasquinha da Sé, para acolher os cerca de quinze convivas que participaram na prova.

Após uns rápidos e frescos espumantes para afinar as gargantas, passou-se à empreitada. Como de costume vou tentar ser o mais sucinto possível sobre os vinhos, para não vos maçar muito nem para tornar esta publicação fastidiosamente longa:

O melhor de todos:

1997 – Foi o 97 porque queria eleger apenas um, mas o 2000 esteve num patamar semelhante. O desempate teve apenas em conta a idade dos vinhos e esta colheita de 1997, quebrando a barreira dos vinte anos, continua a expressar na perfeição os grandes Duas Quintas Reserva. Cheio de vida e de classe, com notas vegetais a lembrar a cabernet, está fresco e equilbrado, muito elegante, impressiona pela complexidade e persistência. Grande vinho.

Adorei:

2000 e 1991 – O primeiro é outro grande vinho, que também não ficava mal no lugar mais alto do pódio. Fresco e complexo, expressa a elegancia do Douro em todo o seu esplendor. O 91, o primeiro Duas Quintas Reserva, mantém-se vivo e a servir de referência para a arte de bem envelhecer destes vinhos (só para quem gosta da complexidade única dos vinhos velhos). Evoluído, claro, mas complexo e fresco, com persistência e elegância, uma delícia.

Gostei muito:

2014, 2011, 2008, 2007 e 1995 – Os primeiros dois, ainda jovens, pujantes e profundos, mostram concentração, taninos e acidez, que lhes perspectivam uma longa vida. O 08 e 07, ainda sem acusarem grande evolução e num registo mais fino, estão com uma frescura, equilíbrio e persistência de realçar. O 95, já com uma panóplia de aromas terciários que nos deixa agarrados ao copo, além da complexidade, mostra a frescura e a finesse dos grandes vinhos.

Gostei:

2013, 2012, 2010, 2009, 2006, 2001 e 1992 – Todos eles em bom plano, a darem excelente prova. Acima de tudo vinhos que pertencem a um lugar, frescos e com carácter. O 2006 mostrou-se mais maduro, com alguma doçura de fruta, mas está neste lote devido à frescura que ainda consegue proporcionar e a um final de bom comprimento. Será ingrato dizer que o 2001 desiludiu, mas a verdade é que a expectativa que trazia para este vinho era enorme, muito potenciada por provas anteriores. Mantém o carácter e a complexidade, mas achei (em comparação, lá está) menos longo e persistente que noutras ocasiões. O 92, com um perfil semelhante ao 91, mostrou menos frescura e vitalidade por comparação, com uma oxidação mais presente e por isso achei-o uns furos abaixo.

Assim-assim:

2005 – O único vinho que achei num patamar inferior. Mais evoluido, mais doce, sem o carácter e a profundidade dos restantes.

Fora de Jogo:

1999 e 1994 – A rolha a fazer das suas.

A conclusão que se pode retirar desta prova é a melhor, estamos perante grandes vinhos, do melhor que se faz no Douro e em Portugal. A consistência entre colheitas é assinalável e o perfil mantém-se fiel ao classicismo da casa, mesmo nas colheitas mais recentes. O trabalho com a madeira é notável, nunca se sobrepondo ao vinho, mesmo nos anos em que a concentração e robustez ditavam lei. Por 25€ temos acesso a um vinho extraordinário, que merece ser guardado uns anos em cave para que dessa forma atinja todo o seu esplendor.

Extra prova ainda desfilaram um conjunto de belos vinhos…

Palavra final para o lugar que nos acolheu. Localizado nas intricadas ruas do centro histórico de Viseu, próximo da Sé, como o nome deixa antever, a Tasquinda da Sé é um pequeno restaurante que se aproxima do conceito de tasca moderna. As paredes de granito contrastam com os modernos individuais de papel, numa cozinha tradicional, muito bem feita, cheia de sabor, em pequenas doses para partilhar ou em pratos com mais substancia. A costelinha em vinha de alhos estava de comer e chorar por mais, as bochechas idem, a salada de polvo, o polvo frito, o bacalhau à Tasquinha, as iscas de cebolada, tudo impecável. O vinho é especialmente acarinhado nesta casa e a forma como nos receberam foi fantástica.

E assim me despeço com amizade até à próxima vertical.

Nota : Estou de partida para uma semana no Vale do Mosel, tentarei a partir de lá actualizar o blog.

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