Contam-se pelos dedos de uma mão, as vezes que fui a Trás-os-Montes. Não que não goste da região, mas é destino que me foge com muita facilidade. Sabendo agora que iria estar de passagem pela zona de Montalegre e Boticas, apressei-me a consultar a agenda, e ver que pontos de interesse tinha identificado por aquelas bandas. Um deles, era o Vinho dos Mortos em Boticas, que tinha muita curiosidade em conhecer, e não podia deixar escapar esta oportunidade.
Hoje em dia o Vinho dos Mortos está personificado no seu embaixador, o Sr. Armindo Pereira, o único produtor “oficial” do mesmo. Fui procurá-lo para ouvir de viva voz a sua versão da história.
Encontrá-lo não foi assim tão fácil. A única referencia que levava era que o Sr Armindo costumava andar pelo repositório do vinho dos mortos, um pequeno núcleo museológico inaugurado em 2008 com pompa pelo presidente da republica, onde se pode conhecer com mais pormenor a curiosa historia que deu origem a este vinho.
Por Terras do Barroso, lá cheguei ao centro de Boticas, onde perguntei indicações pelo local. Disseram-me que no turismo é que me safava, e lá fui eu. Estava fechado quando cheguei. Mas por portas e travessas (leia-se, pela vizinha da casa ao lado que estava à janela) lá consegui a morada do repositório, e melhor ainda, onde se costumava encontrar o Sr. Armindo. As Sras à janela são um poço de informação, aprendi a dar-lhes a importância devida na minha profissão, a distancia entre a sabedoria destas senhoras e a Wikipédia é uma linha muito ténue.
Lagar em pedra, e por baixo algumas garrafas enterradas a ilustrarem os métodos de produção do vinho dos mortos. |
Depois de estabelecido o contacto telefónico, lá me encontrei com o Sr Armindo, que alegre e bem disposto me recebeu, talvez por ver forasteiros interessados em conhecer o seu vinho, e a sua cultura. Já no interior do Repositório podemos encontrar alguns objectos alusivos à produção do Vinho dos Mortos, bem como conhecer a sua história, e também perceber pelas suas palavras como esta tradição chegou aos nossos dias.
Uma pequena vinha (algumas em latada) junto ao repositório, apenas para turista ver. As uvas para o vinho vêm de uma vinha própria, numa encosta sobranceira à vila de Boticas. |
De seguida, fomos conhecer a adega, onde são engarrafadas as cinco mil garrafas produzidas todos os anos. |
Depois da pisa a pé, o vinho estagia cerca de três/quatro meses em inox. A enologia está a cargo da Comissão Vitivinícola da região. |
Depois de engarrafadas, são enterradas (as 5000?) durante um período de cinco meses. Em Junho chegam ao mercado. |
O Sr Armindo Pereira pousa orgulhosamente para a fotografia com o seu vinho. Em fundo, memórias das suas aparições na comunicação social. |
No final, fui simpaticamente convidado para um grande repasto que se preparava. Limpavam-se as grelhas, as carnes barrosãs perfilavam, os presuntos e os enchidos também, a coisa prometia tanto. Apesar de deixar sempre espaço ao imprevisto nas minhas viagens, infelizmente desta vez tinha mesmo de seguir, havia jantar marcado em casa assombrada, quem sabe na companhia de padre polémico, o que não se confirmou. Mas isso são quinhentos para outra história.
Voltando a Boticas, local de saborosas iguarias, ainda perguntei pelas famosas trutas recheadas do Rio Beça, as parceiras perfeitas do Vinho dos Mortos. Disseram-me que era petisco apreciado sim senhor, mas hoje era dia de carnes.
Foi uma lição de história, este dia pelo Barroso. Mas mais que isso, foi conhecer pessoas que têm orgulho das suas origens e tradições, e apesar de estarem no Portugal profundo, lutam por valorizá-las e fazê-las chegar o mais longe possível. Um exemplo.
Adega Vinho dos Mortos
Rua de Santo Aleixo, 29
5460-330 Boticas
Tel. 96 643 0688 (Sr. Armindo Pereira)