Mais uma daquelas verticais. Desta vez o desafio passava por uma viagem de 14 colheitas do Quinta do Mouro, um vinho que por mérito próprio já ganhou estatuto de clássico do Alentejo e é, consensualmente, considerado como um dos melhores da região.
A Quinta do Mouro fica em Estremoz e é propriedade de Miguel Louro, um dentista algarvio que adquiriu a quinta nos anos setenta e que aí se fixou com a sua família. No início dos noventa, “empurrado” pelo enólogo João Portugal Ramos, começou a plantar vinha. A ideia era criar um projecto familiar, apenas com uma única referência, um vinho de grande qualidade, produzido a partir das melhores uvas da quinta. A primeira colheita, de 1994, foi arrebatadora, e deixou crítica e apreciadores totalmente seduzidos. Daí para a frente foi sempre a afinar o processo. Com o funcionamento da adega própria, com a plantação de mais vinha e, ao mesmo tempo que os processos enológicos evoluíam, este vinho foi definitivamente afirmando-se como um dos melhores do Alentejo e um dos grandes de Portugal.
Este tinto de lote não tem uma fórmula exacta. De colheita para colheita e ao longo dos anos existiram nuances na sua composição, mas por exemplo a maioritaria Aragonez e a Cabernet Sauvignon, em maior ou menor percentagem, têm um papel importante na estrutura e definição do mesmo. As outras castas que compõem habitualmente o Quinta do Mouro são a Alicante Bouschet e a Touriga Nacional, que vão temperando o lote consoante as necessidades. Também o tipo de barrica e respectivo tempo de estágio vêm sendo afinados, em busca do perfil pretendido. Intocável é a tradicional pisa a pé. A enologia contou, numa primeira fase, com João Portugal Ramos, depois com Luis Duarte, como enólogo consultor, com a colaboração de Luis Louro (filho de Miguel Louro) e do enólogo residente Luís Chouriço.
Depois existem outros factores muito importantes que contribuem para a distinção destes vinhos, como o clima e o solo, apesar de haver quem garanta que o verdadeiro segredo destes estão no carisma e na atitude irreverente e apaixonada do seu mentor Miguel Louro.
Segue-se o desfile das 14 colheitas em prova e as minhas impressões, o mais resumidas possível, para não maçarem muito.
O melhor de todos:
2001.
Foi aquele que mais gostei. E curiosamente nem o considerei o mais elegante, nem sequer o mais fresco. Até o achei mais redondo e afável que outros. Mas está num momento em que tudo faz sentido, vive no equilibrio dos grandes vinhos. A chegada das notas terciárias e a complexidade que isso aporta, a força e a potência amenizadas por uma textura de seda e, o corpo e a acidez, a mostrarem-nos tanto e tão pouco Alentejo. Fiel à região e ao mesmo tempo desalinhado. Desconcertante de bom.
Adorei:
2005 e 1998.
Outros dois grandes vinhos. O 2005 num estilo mais contido, mais sério, sem grandes espalhafatos, muito fresco e longo, muito bom. O 1998 a mostrar o que os tintos da Quinta do Mouro obtêm com o tempo. Um equilibrio notavel, cheio de carácter, uma panóplia de aromas, de caça, de charutos, de moveis velhos, sei lá… Muito fresco e vivo, grande, grande vinho.
Gostei muito:
2008, 2006, 2003 e 1999.
O 2008 mostra uma complexidade superior, talvez fruto do amadurecimento das vinhas, num perfil estruturado e intenso, com a barrica, sem excessos, ainda presente, em bom diálogo com o lado frutado. Boa acidez e excelente comprimento final. O 2006 mostrou-se muito vivo, com muita vida pela frente, apesar de um perfil mais frutado e redondo, tem uma acidez valente e termina muito longo. O 2003 mostrou-se aromático, fresco e muito equilibrado, com um final longo e persistente. Por último o 99, furos abaixo do 98, mas a dar muito boa conta para um vinho a caminho da vintena de anos.
Gostei:
2007, 2000 e 1994.
O 2007 revela a Cabernet mais evidente, ainda jovem, com taninos finos e uma acidez bem vincada. Como todos os outros é muito persistente. O 2000 mostrou-se ainda em boa forma, cheio de vida, apesar de ter achado, em comparação aos melhores, menos equilibrado. 1994, o primeiro de todos os Quinta do Mouro, está menos pujante que os demais, obviamente, mas ainda bem vivo, fino e longo, a dar excelente prova. Para quem gosta de vinhos com idade tem aqui um bom companheiro para umas horas de conversa.
Assim-assim:
2002, 1996 e 1995. Estas três colheitas foram as menos de toda a prova. Ainda assim, em 14 colheitas apenas 3 se mostrarem um pouco mais cansadas, são resultados notaveis, que nos mostram bem a fibra de que estes vinhos são feitos. Alguma oxidação, algum cansaço, que podem muito bem advir da guarda das respectivas garrafas.
Fora de Jogo:
1997.
Com um ligeiro toque a rolha que prejudicou a prova.
A conclusão final, com a subjectividade que estas provas encerram, é que estamos perante grandes vinhos. Cheios de vida, concentrados, com estrutura, mas ao mesmo tempo delicados e elegantes. Tremendamente frescos. Equilibrados. Com uma notável capacidade de evolução, num perfil tão próprio e apaixonante. Excelentes.
Palavra final para o local que acolheu a prova, o restaurante do Hotel Rural Madre de Água, em Gouveia. É aqui que se produz o vinho Madre de Água, que já vos falei em tempos. Além deste também existe produção própria de queijo, azeite, compotas e alguns vegetais que são utilizados no próprio restaurante. O restaurante tem o Chef António Batista como responsável, onde pratica uma cozinha de cariz regional a partir de pratos com tradição na região. O cabrito e o javali são duas das especialidades. O espaço é amplo e iluminado, com grandes janelões que deixam ver a vinha. Neste dia fomos muito bem recebidos e, tendo em conta a logística exigente para uma prova como esta, muito bem servidos. Semanas mais tarde voltei para um almoço mais informal, o qual se revelou uma excelente refeição. Falarei dele em breve.