125 anos é obra. É muito tempo, um longo percurso, um legado de respeito. Uma história com vinho que os mesmos fazem questão de continuar a escrever.
Quis o destino – felizmente para nós, consumidores – que a Casa da Passarella não tivesse perecido no seu declínio e, por obra e engenho dos homens, tenha voltado à ribalta para podermos testemunhar este novo estado de graça.
Foram apresentadas recentemente as novas colheitas e novidades da Casa da Passarella. No Café Garrett, em Lisboa, Paulo Nunes e João Saraiva Jorge, deram a conhecer os novos vinhos numa sessão descontraída, de onde se destacaram um naipe de novos vinhos à altura da mais recente história da Passarella.
A apresentação contou com apontamentos muito curtos de Paulo Nunes, que cirurgicamente ia acrescentando pequenos (e por vezes deliciosos) detalhes sobre os vinhos que iam passando pelos copos. Passemos, sem mais delongas, aos ditos:
A Descoberta Branco 2016 – Lote de Encruzado, Malvasia e Verdelho. Sem estágio em barrica. Flores e citrinos, acidez viva, limpo, simples, conjunto fresco e elegante. Um vinho airoso, que alcança totalmente os seus objectivos (16/4,95€).
O Enólogo Encruzado 2016 – Provavelmente o melhor Enólogo Encruzado até ao momento. Mais suave na barrica, num perfil contido e fresco. Muito afinado, elegante, um pouco austero até, com uma acidez fina que perdura e que confere ao vinho uma persistência notável. Gostei muito e fico muito curioso para seguir o seu comportamento durante os próximos anos (17/13€).
O Enólogo Vinhas Velhas Tinto 2014 – Uvas provenientes de uma vinha muito velha, com 24 castas misturadas, que esteve para ser arrancada e que foi salva in extremis. Depois de identificadas e catalogadas todas as castas que a compoem, foi fielmente replicada, sendo agora curioso seguir os resultados de uma vinha precisamente igual mas com 80 anos a menos. Fruta madura e frescas notas vegetais, ligeiro fundo de barrica, tudo ainda jovem e gracioso. Na boca mostra bom volume e complexidade. De tanino fino, muito fresco e persistente, vai evoluir bem em garrafa (16,5/17€).
Casa da Passarella “O Fugitivo” Vinhas Centenárias Tinto 2014 – Este vinho é feito a partir de 4 pequenas parcelas de vinhas muito velhas, arrendadas a pequenos agricultores da região. A colheita de 2013 mereceu 94 pontos da revista americana Wine Enthusiast e quando Paulo Nunes, animado, levou a boa nova a um destes viticultores a resposta que obteve foi, “quem é esse?”. A genuinidade desarmante das gentes que fazem vinho de forma amadora há longas décadas tem destas coisas. Passando ao vinho, temos de novo uma excelente edição deste Fugitivo, fiel ao perfil fino e elegante que nos habituou. Suave na cor, discreto e contido no aroma, sempre pelo lado da leveza. Muito afinado na boca. Com a complexidade das vinhas velhas a conferirem uma profundidade, que aliada à frescura e ligeiro fundo mineral, dão origem a um vinho delicioso. Excelente (17,5/24€).
Villa Oliveira Branco 2015 – O discurso para o Enólogo Encruzado pode muito bem aplicar-se também aqui. Temos porventura o mais elegante e afinado Villa Oliveira Branco com esta colheita de 2015. Mais contido na barrica, com a fruta branca e os citrinos em diálogo com um elegante fundo mineral, a criarem um aroma complexo mas austero. Na boca está um portento, de frescura e sabor, de volume e estrutura, num final de acidez fina e muito longo. Sem a barrica a marcar tanto o compasso, mantém o estilo borgonhês mas agora muito mais afinado (17,5/32€).
Villa Oliveira Tinto 2014 (125 Anos de História) – O vinho mais ansiado da apresentação. A edição comemorativa de 125 anos de viticultura na Casa da Passarella. Tentou-se, o mais fielmente possível, até no design da garrafa, recriar o mais antigo vinho da propriedade que data do século XIX. Baga, Jaen, Alvarelhão, Tinta Carvalha e Tinta Amarela da Vinha das Pedras Altas. Fermentado em lagar e estagiado durante um ano em toneis. Aroma profundo, de fruta e barrica, envolvido por um apelativo fundo vegetal, num perfil um pouco mais concentrado e exuberante. A boca no entanto, apesar do volume e estrutura, mostra um estilo muito elegante, seco, mineral, um pouco austero, com taninos sólidos e uma acidez fantástica. Um tinto de luxo que promete uma grande evolução. Foram produzidas apenas 2000 garrafas, que chegarão ao mercado em lotes de 200 durante os próximos dez anos. Como não há bela sem senão, com um preço a rondar os 80€, será dificil para o comum dos mortais lá chegar, mas afinal é também desta exclusividade que são feitos os grandes vinhos (18/80€).
Villa Oliveira 1ª Edição Branco 2010-2015 – Outro vinho muito aguardado. O tão propalado Rótulo Preto da Passarella. Já falei dele aqui, faz agora quase um ano, numa primeira aparição em apresentação idêntica. Um blend vertical de colheitas de Villa Oliveira Branco, de 2010 a 2015, engarrafado em 2016 e agora finalmente no ponto para chegar ao mercado. A verdade é que o vinho não se afastou muito da última prova, complexo, largo, um portento de garra e frescura. Atrevo-me a dizer que estamos perante um dos melhores brancos da década produzidos em Portugal (18,5/50€).
Casa da Passarella “O Fugitivo” Branco em Curtimenta 2016 – Se a Passarella já tinha “esticado a corda” com este branco de curtimenta, acho que agora, com esta edição de 2016 foi ainda mais longe. O orange wine da Casa da Passarella é fermentado em cubas de cimento, estagiado sobre as borras em barricas usadas e é daqueles vinhos que primeiro estranha-se mas depois só queremos provar mais um bocadinho. Complexidade aromática, amplo, estruturado, com taninos presentes, um vinho cheio de carácter que expressa um estilo muito próprio. Nesta edição não foi adicionado sulfuroso em nenhuma das etapas da produção, nem mesmo no engarrafamento (17/20€).
Os vinhos foram provados à mesa, na companhia de um menu desenhado por Leopoldo Garcia Calhau, no seu restaurante, em pleno Teatro Nacional D. Maria II. Pratos de sabores fortes mas interpretados com muita leveza e que harmonizaram bem (uns mais que outros) com os vinhos que iam sendo apresentados. De destacar o Lírio com beringela fumada, alho francês e caldo de presunto, o meu prato favorito da sessão e, com uma harmonização na muche, a Galinhola, xerém e cenoura assada que casou lindamente com o Villa Oliveira 1ª edição. Brancos para a carne e tintos para o peixe, sim é possível.
Palavra final de parabéns para a Casa da Passarella, que segue sólida, com um portefolio cada vez mais coerente e entusiasmante e com uma oferta de vinhos para todos os gostos. Das gamas mais baixas (atenção aos Somontes nos supermercados) às mais altas, estas últimas com vinhos enormes, de deixar de queixo caído qualquer aficcionado.