Deixemos a grande urbe por instantes. Viremos as costas aos seus restaurantes fancy, cool, trendy, hipster ou com qualquer outro rótulo mais recente e impressionante que ainda não consegui incluir no meu vocabulário, para nos embrenharmos no Portugal profundo, em busca de uma “tasca” de cozinha regional.
Chamar Portugal profundo a uma sede de concelho do nosso país em pleno século XXI pode parecer exagero, mas se conhecerem Monchique, com menos de 20 habitantes por km 2 e longe dos principais itinerários rodoviários, percebem melhor onde quero chegar. Mas também são estes défices demográficos que levam a que uma população cada vez mais envelhecida, como acontece quase sempre nestes casos, consiga preservar um valioso conjunto de hábitos e tradições por vezes difíceis de manter noutros locais mais prósperos.
Não é por isso difícil, num concelho de pequenas explorações agrícolas, muitas delas micro e de carácter familiar, encontrar produtos regionais de grande qualidade. O porco e os infalíveis enchidos (mólhe, morcela de farinha, chouriças…), o mel, o medronho, a amêndoa, a alfarroba, o figo, a laranja, a castanha e os mais variados produtos hortícolas, são presença constante na mesa destas gentes e fazem parte da cultura gastronómica do Algarve serrano.
Um dos locais onde é possível apreciar a autenticidade desta cozinha é a Tasca do Petrol, lugar de beira de estrada na freguesia de Marmelete, que nasceu, há mais de cinquenta anos, como tantas outras tascas regionais por esse país afora, a partir da original taberna que, neste caso, ficava ao lado do actual estabelecimento. Na altura a oferta resumia-se a copos de vinho, de garrafão (nada de frescuras) e conservas em lata (uns visionários). O curioso nome vem-lhe do petróleo que vendia para servir os candeeiros da população serrana.
Hoje, a antiga taberna deu lugar a um arejado restaurante, de decoração simples, que se tornou um local de visita obrigatória aquando de uma ida a Monchique. Nélia Nunes é a mulher por detrás dos tachos e, com a ajuda do forno a lenha, a principal responsável pelas delícias que chegam às mesas.
Ainda antes de termos tempo de sentir o pulso à casa aterram na mesa umas deliciosas azeitonas, um pão caseiro quente de bradar aos céus e uns pacotinhos de manteiga. O vinho, da casa (também há engarrafado, mas o momento pede um jarro), chega logo de seguida. Daqui para a frente é um desfilar de pecados sem fim. Cozido de couves (a especialidade da casa), couves com feijão (dentro da mesma linhagem), faceira de porco (bochechas), milhos à moda de Monchique, cachola de cebolada, javali estufado, borrego no forno, migas com entrecosto, enfim, uma carta de luxo, que nos deixa a balançar na hora da escolha.
O cozido de couves, que é cozinhado lentamente no forno a lenha durante várias horas, é o prato mais procurado e quando há, raramente chega ao jantar, fica o aviso. As couves com feijão, que chegam à mesa a fumegar dentro de uma tigela, vêm acompanhadas de macarrão e várias peças gordas de porco, tudo adornado pelo delicioso caldo da cozedura. Uma cozinha de conforto, cheia de sabor, que é impossível ficar indiferente.
Nos doces, se ainda houver coragem e estomago, temos várias sobremesas tradicionais à escolha, onde imperam, entre outras, a tarte de alfarroba com figo e a tarte de amêndoa com gila. Depois, para terminar em beleza, e perante tão consistente repasto, é incontornável o digestivo medronho ou a melosa (medronho com canela, limão e mel).
São lugares como este que ainda vão, de viva voz, ao vivo e a cores, sustentando a nossa cultura gastronómica. É um dever, de todos mas principalmente de quem gosta de comer bem, de acarinhar cozinhas assim, para que nunca acabem e possam passar de gerações para gerações.
A Tasca do Petrol
E.N. 267, Corgo do Vale – Marmelete.
Tel: 282 955 117
Fecha às Quartas
Não tem Multibanco.
Preço médio: 15€