Estamos no Vale do Rhône, no sul da Suiça, 13 km a sudeste da luxuosa e icónica Montreaux, onde as cidades de Aigle e Yvorne encontram o sopé dos Alpes suíços. A fama mundial desta região vem das actividades lúdicas e desportivas que proporcionam o Lago Léman e os majestosos Alpes, mas o que muitos não sabem é que é também aqui que nascem alguns dos melhores vinhos da Suiça, provenientes das famosas vinhas inclinadas, Património Mundial da UNESCO.
A denominação de origem Chablais (região de Vaud) é composta por cinco terroirs principais, Villeneuve, Yvorne, Aigle, Ollon e Bex. Para hoje interessam apenas Yvorne e Aigle, onde estão situadas as vinhas da Badoux Vins, uma das mais importantes empresas do universo do vinho Suiço e possuidora da referência mais vendida neste país, o famoso Aigle les Murailles.
A Badoux Vins foi criada em 1908 por Henry Badoux que desde cedo assumiu a responsabilidade de gerir o negócio da família. Mais tarde, em meados do século XX, o seu filho Henri Emile Badoux herda o testemunho da gestão da empresa e é nesse momento que o modesto negócio da família se começa a definir como uns dos mais importantes no sector do vinho da Suiça. Sem deixar de respeitar a filosofia e tradições familiares, Emile Badoux rapidamente alarga a área de vinha para os 50 hectares enquanto começa também a estender a produção a outras sub-regiões. É pioneiro na produção de Pinot Noir na região de Vaud e coloca em marcha uma verdadeira revolução nas condições e métodos de produção da empresa, aumentando a capacidade da adega existente, construindo o centro logístico de Aigle e a nova adega em Yvorne. Aos poucos o nome da Badoux passou a ser uma referencia na Suiça e das poucas empresas do sector do vinho neste país capazes de exportar.
Mas voltemos atrás no tempo, ao início do século, quando Henry Badoux facilmente percebeu que o valor acrescentado dos vinhos que produzia em Aigle estava directamente relacionado com as famosas vinhas das “Murailles”. Aqui, nas encostas viradas a Sul na margem direita do Rhône, as vinhas de Chasselas, a mais importante casta branca produzida na Suiça, atingem uma qualidade difícil de igualar em outras regiões próximas. Os solos argilo-calcários que compõem os característicos patamares, a exposição solar, a frescura da noite proporcionada pela proximidade dos Alpes e, acima de tudo, o frequente por estas paragens vento Foehn, dão origem a condições climatéricas únicas para a expressão da Chassellas. Decifrando isso, Henry Badoux rapidamente chegou à antiga parcela datada de 1834 e conhecida por Clos des Murailles, adquirindo-a em 1921 e dando início à produção do famoso Aigle les Murailles.
Mais recentemente, em 2008, a Badoux Vins foi adquirida pelo grande grupo empresarial Schenk que detém propriedades em vários países da Europa e sob a direcção de Kurt Egli, um conceituado rosto do vinho suiço, a aposta no aumento da qualidade dos vinhos passou a ser a principal prioridade. Para o efeito foram reduzidas as produções por hectare e implementados processos que respeitassem cada vez mais o meio ambiente, ao mesmo tempo que as adegas eram apetrechadas com as mais modernas ferramentas. Comercialmente a aposta na marca Aigle les Murailles como um produto autentico e diferenciador mantém-se apesar de terem sido criados dois vinhos topo de gama, o branco e tinto Lettres de Noblesse.
Fui guiado nesta visita pelo director comercial de empresa, Pascal Rubin, juntado-me mais tarde para a prova dos vinhos à companhia do director geral Kurt Egli e do enólogo Daniel Dufaux. A prova teve lugar na Badouxthèque, o bar-de-vinhos da marca, que também é loja e sala de provas, construída em 2010 e considerada por Kurt Egli – agora que está prestes a reformar-se – como um dos pontos altos da sua gestão.
A prova começou com o vinho mais emblemático da casa, o Aigle les Murailles da colheita de 2014. Um 100% Chasselas que será porventura o vinho suiço mais conhecido no mundo mas para mim confesso que foi uma verdadeira novidade. Jovem, contido, de nariz discreto, a mostrar tímidas notas florais e de fruta madura. A boca é marcada por uma boa acidez, bem integrada num fundo frutado com subtis notas minerais. O conjunto, embora envergonhado, mostra bom equilíbrio num estilo seco e de final relativamente persistente. O vinho não tem qualquer estágio em madeira. À minha reacção à prova foi-me explicado que estes, enquanto novos, são vinhos mais reservados, para ao fim de alguns anos em garrafa se exprimirem na plenitude. Foi pena não ter tido acesso a uma garrafa mais idosa.
De seguida o Petit Vignoble Yvorne 2014, também ele monocasta de Chasselas mas produzido numa pequena vinha, como o nome indica, na encosta montanhosa de Yvorne. Jovem, directo, com um ligeiro pico de gás, sem a autenticidade do anterior. Aromaticamente mais evidente, com fruta tropical, flores, frutos secos, tudo envolvido num suave fundo mineral. A boca mostra um vinho de boa estrutura, com acidez equilibrada e final de médio comprimento. Deste vinho tive também a oportunidade de provar a colheita de 2007 e foi interessante verificar a sua evolução. A cor mantém-se aberta, tanto o aroma como o sabor não deixam transparecer um branco com 8 anos. Com as notas de frutos secos mais intensas, o ligeiro pico quase não se nota e o final mostra mais persistência. De menos bom apenas o ligeiro álcool que deixa sentir na boca.
Depois o topo de gama Lettres de Noblesse Branco 2013. Chasselas das vinhas nas encostas de Yvorne. Fermentado e estagiado durante 12 meses em barrica. Maior complexidade aromática, com a barrica bem integrada mas ainda a deixar transparecer para a fruta as notas de baunilha e mel. Na boca é um vinho estruturado, com volume, de entrada com alguma doçura, segurado por uma acidez equilibrada. Apenas 2000 garrafas.
De seguida veio o Hommage 2014, um vinho natural, muito curioso, com a fruta branca madura, o mel e os frutos secos a dominarem o aroma. A boca foge um pouco ao nariz, pois o vinho é bem seco e de acidez bem afirmativa. Um desalinhado que gostei particularmente. 100% Chasselas.
Foi nesta altura que perguntei pelos tintos e fiquei a perceber que a vontade de os mostrar não era uma prioridade. Não que se envergonhem dos mesmos, mas a estratégia é mesmo “vender” os vinhos de Chasselas como a maior bandeira da região. É por aí que se querem diferenciar de todas as outras regiões do mundo, dizem abertamente. E era tão fácil ir pela Chardonnay.
Lettres de Noblesse Pinot Noir 2012, estagiado durante 18 meses em barrica (usada), com as notas de baunilha e de fruta vermelha a dominarem o aroma. Boa estrutura, intenso, concentrado, a esconder um pouco a elegância do Pinot. O final é de boa persistência.
Lettres de Noblesse Malbec e Cabernet Franc 2012. Cor de média concentração. Fruta silvestre madura e suaves notas de baunilha no nariz. Pimenta, especiarias. Leve sensação vegetal, traço fresco conferido por uma boa acidez. Taninos suaves e final de média persistência.
De referir que a maioria destes vinhos são vendidos na casa dos 25/30€, caros, como tudo na Suiça, o que dificulta ainda mais a sua exportação. Isso aliado à pouca produção, com apenas 1/3 do vinho consumido na Suiça a ser produzido entre portas, deixa a percentagem de vinho exportado nuns envergonhados 2%.