Leopold Take II (Lisboa)

Nova visita ao Leopold onde Tiago Feio e Ana Cachaço continuam em boa forma num dos projectos mais desafiadores e excitantes que Portugal já teve o prazer de conhecer. As limitações do seu espaço são por demais conhecidas mas isso só serve para relevar a grande capacidade de trabalho e perseverança para triunfar nestas condições.

Encontrei algumas mudanças em relação à última visita. A principal é que deixou de haver escolha à carta para passar a haver um menu degustação único, que parte de uma base, mas que pode ter algumas alterações de dia para dia consoante a inspiração do chef ou os produtos da época. Na reserva é perguntado se existem algumas restrições alimentares ou alergias e daí para a frente ficamos na mão de Tiago Feio. Um passo arriscado, confessa o chef, mas que foi bem aceite e pegou de estaca. Na minha opinião penso que o cliente fica a ganhar, apesar de poder pagar um pouco mais, tem uma experiência plena e é esse o objectivo quando se vem a um restaurante como este.

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Desarmante. Um copo e um guardanapo, a mesa posta no Leopold.

A outra mudança prende-se com a carta de vinhos, agora com consultoria dos Goliardos, num leque de escolhas que sem ser muito vasta é mais que suficiente e se coadunam sobremaneira com a filosofia do espaço. A aposta é óbvia nos vinhos biológicos e naturais. Optámos por um Quinta da Serradinha Branco 2014, um vinho biológico da região de Lisboa, fresco, saboroso e com bom volume de boca, que acompanhou na perfeição todo o menu. Ah e os copos também são novos. Tão bons quanto os anteriores, mas com pé! Quanto ao preço dos vinhos são a atirar para o carote, mas dentro daquilo que (infelizmente) já se instituiu na restauração deste segmento.

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Pão de centeio de Chaves, broa de milho do Alentejo, manteiga de ovelha de Azeitão e mel de flor de laranjeira. É assim, com uma ode ao produto, que tem início o menu degustação do Leopold. Uma perdição a manteiga. Inolvidável a broa. Combinação “entradeira” maravilhosa.

Passemos à mesa. Jantar de semana onde encontramos uma sala meia despida, o que no Leopold também quer dizer meia-cheia. De novo uma refeição irrepreensível de rigor, de técnica, de precisão e, o melhor de tudo, de romantismo. Porque é impossível olhar para este projecto e para esta cozinha sem o fazer de uma perspectiva romântica. Podemos sempre colocar em causa esta ou aquela escolha, esta ou aquela combinação, uma pequena falha aqui ou ali, mas no geral e perante o contexto, não há nada a dizer de um jantar desta qualidade.

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O primeiro prato do menu degustação expressa na perfeição a natureza da cozinha de Tiago Feio e alerta-nos de imediato os sentidos para a refeição que aí vem. Uma flor composta por pétalas de tenras folhas de espinafres salpicadas com gotas de miso branco e assentes numa base de puré de nabo e um “muesli” de amaranto, papoila e girassol. Naturalista, sereno, contido, na forma e nos sabores, uma combinação improvável para um momento que se revela viciante e que damos por nós a querer que nunca acabe. Um prato conceptual.
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Bacalhau com Cebola Roxa e Espuma de Bacalhau. Delicadeza de sabores, precisão de técnicas e empratamentos elegantes, a expressão máxima da cozinha do Leopold. O travo a cravinho e estrela de aniz marcam com bom efeito os sabores tradicionais do bacalhau.
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O empratamento era mais bonito, mas foi sacrificado pela gula do fotógrafo. Novilho dos Açores, Algas e Manjericão, um dos favoritos da noite. A carne é cozida a vácuo e depois braseda a maçarico. Chega ao prato muito tenra e saborosa, acompanhada de uma alga de sabores orientais (soja e vinagre de arroz) e o refrescante sabor do manjericão. Sabores expressivos num conjunto equilibrado e viciante.

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Ovo a baixa temperatura, congumelos shitake e trigo sarraceno. Ovo e cogumelos, o que mais há a dizer? Estes ainda chegam com o bónus do tempero do tomilho e a textura das sementes.

Na cozinha não houve uma grande inovação desde a última visita, o que acaba por ser normal tendo em conta as limitações do actual espaço o que acaba por limitar as técnicas e os produtos a utilizar. Lembro que no Leopold não existe lume e todos os pratos são preparados sem essa confortável fonte de calor. Mas ainda assim, e já sem o factor surpresa que nos impressiona na primeira visita, voltou a ser uma refeição entusiasmante, ao ponto de sairmos com a sensação que estivemos muito tempo sem visitar o Leopold e a vontade de voltar em breve. E esse é um sentimento que cada vez vou tendo menos na restauração contemporânea.

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Sobremesa. Queijo de São Jorge (cura de 7 meses), Banana da Madeira e Areia de Biscoito (de mel, gengibre e canela). De novo o produto, numa expressão simplista e a trazer os sabores que nos remetem para as nossas memórias de infância. Tão bom.

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A caixa. Assim sem mais nada, deixada delicadamente na mesa despida. Lá dentro, Ripas de Biscoito do Algarve (figo e amendoa) e Figos Fermentados (a meio caminho do cristalizado) com Hortelã Pimenta. Uma forma divertida e descontraída de terminar a refeição.

Para terminar, uma novidade. O Leopold vai entrar de férias durante uns tempos para reabrir mais para o Verão numa nova localização (a anunciar em breve pelos próprios). Um novo espaço e uma nova cozinha, maior e melhor equipada, que irá permitir a Tiago Feio e ao próprio Leopold entrar numa nova dimensão. Deste lado ficaremos a aguardar com expectativa.

Leopold
Rua de São Cristóvão 27, Lisboa
Tel: 21 886 1697
Email: [email protected]
Só jantares. Fecha Segundas e Terças.
Preço médio sem vinho: 35€ (já tem multibanco)

 

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