Ameijoas à Bulhão Pato, o Pai Abel, o Vila Santa e o Bétula.

Antes que chegue definitivamente a chuva e o frio, época de outras consistências, trago a terreiro um tema que me assola com frequência mas que por variadas razões ainda não tinha visto a luz do dia aqui no pasquim.
Refiro-me à receita das Ameijoas à Bulhão Pato, uma iguaria que toda a gente adora, mas que cada vez mais se vai vendo adulterada, contribuindo-se dessa forma para se ir perdendo a autenticidade de uma das mais emblemáticas receitas portuguesas.
Tendo nós o privilégio de termos uma costa de onde saem mariscos de grande qualidade, frequentemente gabados pelos estrangeiros que nos visitam, onde até Ferran Adrià, ilustre mago dos fogões, disse numa ocasião que Portugal tem dos melhores mariscos do mundo, não faz sentido não sabermos preparar condignamente esta maravilhosa e tão nossa receita.
É com frequência, ainda para mais na restauração, que se vê o Bulhão Pato ser adulterado com mostarda, ou cebola (imagine-se), ou ainda com vinho branco, que de facto enriquece a receita mas quando no copo a acompanhar a mesma. Tudo isto são sabores que não lhe fazem falta e que só vão ajudar a camuflar o fresco sabor das ameijoas, que deverão ser as estrelas da companhia.
Estas das fotos eram especialmente boas, gordas, carnudas, a largar aquele suco fresco para o molho. Vieram da Ria Formosa (assim dizia a Peixeira e quem sou eu para duvidar) e depois de demolhadas, foram ao tacho com um fundo de azeite e alho picado. Sal, pimenta, e depois de abertas, coentros picados. Saem do lume e são regadas com sumo de limão. Simples não é? Então não vamos complicar.

À boleia trago três vinhos, que não têm de ser bebidos obrigatoriamente com as ameijoas, até porque para as ditas prefiro e recomendo os nossos magníficos Alvarinhos.
São todos brancos. Como grande adepto dos mesmos, não queria deixar passar a oportunidade de partilhar estas referências que bebi (reparem que não disse provei, más influências é o que é) e que gostei particularmente. Vinhos estes que merecem ser bebidos todo o ano, vamos lá parar por favor com a palermice que os brancos são só para o tempo quente.
Comecemos com um fantástico espécimen Bairradino. O Quinta das Bágeiras Pai Abel 2010 (17 pts, 17€) a marca mais recente deste produtor, feito a partir das castas Bical e Maria Gomes e fermentado em barricas usadas.  É um vinho distinto e cheio de personalidade como é apanágio deste produtor. Complexo, encorpado e fresco, com aquelas suaves notas de resina características dos brancos das Bágeiras. Penso que não chega à excelência do Garrafeira, mas ainda assim é um vinho de grande qualidade, apaixonante, talhado para dias de festa, em que perdemos a cabeça com um vinho deste preço. Experimentem-no com as Caras de Bacalhau na Consoada. Vale todos os cêntimos.

Outro que me conquistou neste últimos tempos foi este Vila Santa Reserva Branco 2011 (16 pts, 10€), um vinho que não conhecia, que não me lembro de já ter provado alguma colheita anterior, ao contrario do seu irmão tinto. Chegou-me às mãos por intermédio do produtor, João Portugal Ramos, no seguimento da sua recente aposta de marketing nos formatos online e abri-o em casa amiga a acompanhar uns filetes de pescada com arroz de tomate. Mostrou-se aromático, cítrico, madeira muito bem arrumada, com uma frescura e equilíbrio notáveis.  Um excelente branco alentejano, que apesar do segmento feroz de preço onde se encontra, merece ser conhecido.

Por fim, arrisco-me a dizê-lo, um dos mais queridos projectos da blogosfera gastro-vínica Tuga, o Bétula 2011 (17 pts, 13€), da Catarina Montenegro. Um vinho muito curioso, pois apesar de nascer no Douro é produzido com duas castas estrangeiras (daí a classificação de regional duriense), a Viognier, que vai à madeira, e a Sauvignon Blanc que só vê o inox. Provei-o na companhia do 2010 e foi muito interessante verificar as diferenças nas colheitas. Este 2011 está muito mais vinho, mais adulto, com mais personalidade. Um vinho que me não me pareceu expressar muito as castas, mas que está muito fresco, madeira muito subtil, com um lado mineral muito convidativo, tudo com muita elegância e um final com excelente comprimento. Muito bom.

Três propostas que não estando direccionadas para o consumo do dia a dia, ainda para mais nos tempos que correm, são vinhos que por um preço moderado dão-nos a possibilidade de apreciarmos vinhos de grande qualidade. E todos mostraram boas aptidões para envelhecimento (sim brancos velhos, um apaixonante mundo à espera de ser descoberto pelo mainstream).
É prova-los quando houver oportunidade, ou aproveitar as muitas mostras de vinho que se aproximam.

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